Selton Mello

Selton Mello, ator e diretor | por Heloisa Eterna | foto Mark Leibowitz | Agosto 2007

SELTON MELLO: EM UM MUNDO CADA VEZ MAIS CINZENTO, ATOR E DIRETOR  DIZ QUE CONVIVE BEM COM A SOLIDÃO, E PLANTA FLORES NO ASFALTO

Selton Mello, você  acaba de lançar seu terceiro longa, “O filme da minha vida”, baseado no livro “Um pai de cinema”, do chileno Antonio Skármeta, autor de “O carteiro e o poeta”. Skármeta fez alguma exigência para que o filme carregasse fidelidade ao livro?

Nenhuma exigência. Skármeta foi super generoso comigo. Acho que justamente por já ter vivido esta experiência outras vezes, ele não é aquele tipo de autor superapegado ao livro. Ele sabia que a linguagem cinematográfica é diferente, que eu precisava ir além daquelas páginas e criar outras aventuras, outros fatos para aquela história sem trair a essência do livro.

O diretor de cinema Afonso Poyart, entrevistado em aCriatura, conta ter tido dificuldade de relacionamento com Anthony Hopkins. Você dirigiu o francês Vincent Cassel (ator de  “Irreversível”, o perturbador filme do argentino Gaspar Noé). Onde reside a dificuldade em dirigir grandes estrelas? Com Cassel foi tranquilo?

Tranquilíssimo. Cassel  foi um amor. Praticamente um brasileiro, joga capoeira, mora no Brasil, superfã do meu trabalho desde “O Cheiro do Ralo”, acompanha tudo, sabe exatamente o que eu represento na cultura brasileira… Foi um gentleman, amou o Johnny Massaro (Tony, personagem principal de “O filme da minha vida”), foi uma parceria linda. Na verdade, Johnny Massaro e Vincent Cassel são um dos melhores castings brasileiros dos últimos tempos. Eles ficaram perfeitos como pai e filho. E o Cassel foi um grande companheiro de trabalho.

 “O filme da minha vida” foi coproduzido pela Bananeira Filmes, de Vania Catani, e teve como diretor de fotografia Walter Carvalho. Parceiros também em “Redemoinho”, de José Luiz Villamarim. Ambos os filmes trazem semelhanças pelo cuidado e pela poesia estética. Até que ponto a definição dos parceiros define também o sucesso de uma obra?

Vania e eu estamos fechando uma trilogia, realizada em dez anos. Uma grande parceira e sou fã de suas escolhas, o que ela produziu nesses tempos são obras relevantes e potentes. Sem dúvida nenhuma, quando você escolhe uma equipe você esta escolhendo seus parceiros nessa jornada. O trabalho do diretor é alinhar os olhares dos cabeças de criação para eles começarem a pensar o que você está pensando. Então, além da parceria com a Vania e do mestre, pintor, Walter, tem também Claudio Amaral Peixoto, diretor de arte, Kika Lopes, figurinista, Kitty Féo, minha assistente de direção, Marcelo Vindicatto, meu roteirista… Ou seja, é um grupo que você une para contar a mesma história que você pressentiu. Então, é fundamental  você trabalhar com pessoas não só talentosas, mas também  muito sensíveis, que conseguem entender o que você está querendo dizer.

“Eu estava de fato desencantado com a minha profissão de ator.”

Dando uma volta no tempo, numa outra ocasião, você, que trabalha nesse métier desde os 9 anos de idade, chegou a dizer que andava triste com a profissão, e que pensava em parar por um tempo. De onde veio essa tristeza?  Esse sentimento é recorrente?

Não, não é recorrente. Mas o fato de pensar em largar tudo, pensar em fazer outra coisa, é muito comum por ter começado tão cedo. Então acho que chega uma hora que dá uma desanimada. Mas aí que entra o fato de eu ter virado diretor, porque não me deixa ficar parado. Desanimei como ator? Pulo para trás das câmeras imediatamente, como foi em “Sessão de Terapia” (no canal GNT) durante três anos. Cansei de ficar atrás das câmeras? Volto com brilho nos olhos e atuo, como fiz  nas séries de TV “Ligações Perigosas” e “13 Dias Longe do Sol” (vai ao ar em janeiro de 2018), meu próprio filme em que atuo… Então esse pulo para frente e para trás das câmeras não me deixa estagnar. Me deixa sempre com alegria de fazer o que eu faço, que é arte.

Escrever a história de um palhaço (Selton também foi diretor do filme “O palhaço”) que passa por uma crise existencial, mas descobre motivos para continuar no picadeiro fez, de alguma forma, que você exorcizasse aquele momento?

Sim, naquele momento em especial, eu estava de fato desencantado com a minha profissão de ator e essa é a maravilha da minha profissão: poder sublimar qualquer coisa que eu venha sentir. Então, se eu estava sentindo aquilo, fui lá e fiz um filme sobre isso.

Certa vez, você disse que tudo na sua vida estava em xeque, e que queria curtir mais a vida. Está conseguindo fazer isso? 

Não, não estou conseguindo (risos). Trabalho loucamente, sou capricorniano, um cara que não para. Mente hiperativa, que faz duzentas coisas ao mesmo tempo… Mas uma hora dessas eu chego lá. Não tenho pressa. E curtir a vida também é relativo. O que é curtir a vida? Talvez no meu caso seja fazer esses trabalhos todos, tão inspiradores. Me deixa feliz.

“É fundamental para a criação.”

(Sobre a solidão)

Você já comentou que não aprecia o comportamento de pessoas que não toleram a própria companhia. Aquelas que se separam e vão para o bar, conhecem “o primeiro ou primeira trouxa e se casam de novo”. E que considera isso “uma enorme incapacidade de conviver consigo mesmo”.  Lidar com a solidão é também uma arte?

Convivo superbem com a solidão. Vivo muito tranquilo sozinho, com meus livros, minhas coisas, meus pensamentos, meus estudos. É fundamental para a criação. Na verdade, isso não é de hoje. Eu era um menino assim também. Gostava muito mais de ficar em casa ouvindo disco, aprendendo a tocar violão, com aquelas músicas que eu gostava, do que ir para rua jogar bola. Isso faz parte do meu temperamento, está no meu DNA.

Numa guinada de 360 graus ao seu redor, como anda vendo o mundo? 

O mundo está cinza, esquisito, torto, agressivo. E uma das minhas funções como realizador – não como ator, como diretor – é exatamente levar um bálsamo para o público. Fazer um filme-poesia, um filme-memória. Fazer um filme que leve carinho para o público, que deixe o público flutuando na saída do cinema. Esta é a beleza de “O filme da minha vida”. Por isso que ele está causando tanta comoção por onde passa. Acho que o mundo está cinzento e precisa de cor. Esse filme é esta flor no asfalto.

Você consegue ser feliz? 

Oxe! E como não?

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