Marcelo Gleiser

Marcelo Gleiser, físico | por Heloisa Eterna | foto Isabela Kassow | Fevereiro 2017

MARCELO GLEISER: UM DEUS QUE SE ESCONDE, FÉ NA JUVENTUDE E O FIM DA TERRA

Marcelo Gleiser, você se diz agnóstico, porque não tem evidências da existência de Deus. Mas ser agnóstico não traz convicção. Então, o que, a seu ver, abre uma possibilidade para a existência Dele?

Não há necessidade de uma convicção, e sim de verificação. O problema da existência de Deus é um que peca pela falta de verificação. Para os que crêem, crer não depende de provas. Para mim, preciso delas, especialmente em algo de tamanha importância quanto a existência de uma entidade sobrenatural, que existe fora do espaço e do tempo, além das leis da Natureza. O problema é justo esse: algo além da Natureza não pode interagir com algo dentro da Natureza, por exemplo, nós. Portanto, a menos que essa divindade encontre canais de comunicação que sejam convincentes, fica difícil entender como “ela” pode confirmar sua existência. E, pelo que vimos nos últimos 2 mil anos, Deus, ao menos o judaico-cristão, adora se esconder…

Quanto mais a Ciência traz explicações sobre o mundo, menor fica a possibilidade da existência de Deus?

Acho que não. Esse é o antigo argumento do Deus das Lacunas, que Deus existe para explicar o que a Ciência não explica. Como a Ciência nunca vai ter todas as explicações, vide “A Ilha do Conhecimento” (livro de Gleiser vencedor do Prêmio Jabuti, em que o autor examina nossa busca por sentido), segundo esse argumento sempre vai existir um espaço para esse Deus explicador. Imagino que as pessoas de fé encontrem um espaço para Deus dentro delas, e não no mundo externo, do qual a Ciência trata. Cientificamente, não vejo como podemos confirmar ou rejeitar a existência de Deus. Podemos apenas formular uma posição baseados no que sabemos. Ou buscamos por um Deus bem diferente do que emergiu no mundo ocidental.

Apesar de usarem a razão para descrever o mundo, são os cientistas pessoas espirituais? Onde está o seu espiritualismo, de que forma você desenvolve esse aspecto da sua vida?

Existe cientista de todo tipo: espiritual, religioso, ateu, agnóstico. Sem dúvida, muitos são pessoas espirituais, mesmo se não crentes. Sua espiritualidade vem de uma postura de humildade perante a Natureza, seus mistérios, nosso conhecimento limitado. Essa é a minha posição, a de uma pessoa espiritual que é cientista. Para mim, ser cientista é uma celebração da nossa relação com esse mistério todo que nos cerca. Como dizia Einstein, nada mais importante em nossa definição como ser humano do que nosso fascínio pelo Mistério (com M maiúsculo.) Esse fascínio é de natureza espiritual. Para Einstein, é a verdadeira essência da postura religiosa. Vivo isso todos os dias em meu trabalho e em minhas atividades, como correr trilhas nas montanhas, passeios longos por florestas, viver numa delas!

“Infelizmente, na maioria das religiões é o medo que inspira, em particular, o medo da morte.”

A religião pode escravizar o homem pela imposição do medo?

Sem dúvida. Toda fé inspirada pelo medo leva à escravidão. Mas essa é a fé errada, patológica. A verdadeira fé deveria ser inspirada pelo amor. Infelizmente, na maioria das religiões é o medo que inspira, em particular, o medo da morte.

O mundo não acabou em 2012, como previa o calendário Maia. Esse mundo que conhecemos é finito? O que ameaça nossa estadia na Terra?

Se você se refere ao nosso planeta, sim, ele é finito, como tudo no universo. Existem várias ameaças à Terra, fora a que nós criamos com a poluição e a predação. São ameaças não à Terra, mas à vida nela; supervulcões, colisões com asteroides e cometas (pouco provável), por exemplo. Para a Terra como um todo, apenas o sol… Em alguns bilhões de anos, o sol irá expandir e engolfar a Terra e será o fim desse planeta.

Olhando o mundo do jeito que ele se apresenta hoje, com guerras, imigrações de milhares de refugiados, onda crescente de conservadorismo, mudanças climáticas… Você é um otimista?

Sim, por incrível que pareça sou um otimista. Acredito na juventude, num despertar de conscientização global vindo dos mais jovens, que são quem vai viver aqui nas próximas muitas décadas. Acho que o movimento já começou, com ênfase no uso de energias alternativas, alimentos orgânicos, mais saúde, menos carne… Mas, sim, vai demorar um tempo. Essa guinada para a direita é inevitável, parte do ciclo do poder. Mas ele retornará ao seu eixo principal em breve, promovendo maior justiça social e uma relação sábia com o nosso planeta.

Com o desrespeito que impera contra a natureza, você acha que ainda há tempo de salvar o planeta para as futuras gerações? Isso não é uma decisão política que depende de vários interesses? 

Sem dúvida, é uma decisão política. Mas o que as pessoas ainda não perceberam é que cada um tem o poder de ajudar na mudança. Corporações e políticos são maleáveis, dependem de opinião pública; se as pessoas se organizarem e pararem de comprar um produto de uma corporação que viola o meio ambiente, a corporação vai mudar de perfil. Se não votar em pessoas corruptas, elas não são eleitas. O que falta é uma maior concientização do poder que temos como cidadãos. Todo mundo gosta de criticar e por a culpa no governo, mas poucos fazem algo para promover as mudanças necessárias. Elas começam nas nossas casas e escolas. Um pouco de desconforto é necessário para o bem social maior.

“O que vemos do mundo é uma fração minúscula do que existe. Os que acham que muito sabem são cegos.”

Como em qualquer outra profissão, o meio científico deve também suscitar o ego de muita gente. Como você lida com a vaidade — a sua e dos outros?

Nunca fui um cara arrogante. Aliás, no último livro, A Simples Beleza do Inesperado, comparo uma pessoa arrogante a um pavão com penas faltando na cauda e sem um espelho para se enxergar. Para mim, o estudo da Natureza como cientista e minha experiência dela como pessoa me enchem de humildade. Vejo algo muito maior do que eu, algo cujos detalhes fogem à nossa compreensão. O que vemos do mundo é uma fração minúscula do que existe. Os que acham que muito sabem são cegos. Usam um chapéu maior do que a cabeça, que lhes tapa os olhos.

Você já disse que a morte entrou muito cedo na sua vida com a perda da sua mãe aos 6 anos de idade. A finitude te angustia? 

Sim, a finitude da vida me angustia; o não saber o que vai ocorrer, quanto tempo viver. A dor da perda. Quero estar aqui para ver meus netos crescerem… antes eles têm que nascer. Mas não passo a vida angustiado com isso, pelo contrário: abraço ela com tudo que tenho, vivenciando cada momento, tentando colorir minha existência de significado. Tento deixar um legado, deixar o mundo um lugar melhor do que quando cheguei nele. E isso me inspira e me faz levantar todos os dias com um sorriso.

Em suas palestras, você costuma ressaltar que precisamos celebrar a vida. Como pratica isso?

No meu trabalho, que amo; tanto a pesquisa científica, sempre um desafio, quanto o escrever sobre ciência e sobre a condição humana em meus livros e ensaios mais filosóficos. Na minha família, que me enche de emoção todos os dias, os filhos e esposa queridos. E na solidão com o mundo, no abrir um espaço ao menos quatro vezes por semana para correr nas trilhas das montanhas à minha volta, estar com o mundo, celebrar a Natureza a cada passo, a cada vez que respiro. Lembre que “inspirar” e “espírito” são palavras relacionadas: a cada vez que inspiramos, inspiramos o mundo e nos inspiramos com isso. Esse é o caminho da minha espiritualidade, como eu celebro a vida.

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