IZABELLA TEIXEIRA: É PRECISO FAZER MUDANÇA DE ROTA, DIZ EX-MINISTRA DO MEIO AMBIENTE
por Heloisa Eterna | fotos Alexandre Campbell
A senhora costuma afirmar que a questão da sustentabilidade é a nova expressão do Humanismo. Como é isso?
Quando a gente discute a questão ambiental tem várias perspectivas e várias abordagens. Isso é muito distinto do que está sendo contado nos últimos 30 anos a respeito de temas ambientais stricto senso. Uma nova sustentabilidade quer dizer desenvolvimento com inclusão social, entendendo as diferenças entre as sociedades, os novos jeitos de viver, as prioridades das novas gerações e a nossa responsabilidade em lidar melhor com a natureza. Lidamos, historicamente, muito mal. Quando lideranças no país falam que o Brasil tem muito a ensinar, o Brasil para promover o seu desenvolvimento acabou com a Mata Atlântica. O processo de colonização do Brasil colocou as populações indígenas na situação em que elas estão, ou contribuiu [para isso] junto com o processo de desenvolvimento.
“Não estamos discutindo o verde pelo verde. Estamos discutindo uma nova maneira de nos relacionarmos com o Planeta e no planeta.”
Existe uma mudança de comportamento?
As pessoas estão buscando uma nova relação com a natureza, com novos estilos de vida, entendendo que estamos todos interconectados, que vivemos num único planeta, que não tem planeta B. E que estamos sujeitos a vulnerabilidades de fenômenos naturais e riscos aos quais nunca estivemos expostos, pelo menos não nesta fase contemporânea da humanidade. Há uma transformação individual e coletiva. Mas sem esquecer os passivos, os déficits de processo de desenvolvimento. Não só dos países em desenvolvimento. Países desenvolvidos, com seu bem-estar hoje, estão em cheque pelos fenômenos de imigração, pela interconectividade e pela inovação tecnológica que coloca desafios ao mundo. Como é que você vai ter emprego, como vai produzir, como você se liga, além do mundo real, no mundo virtual? As pessoas precisam entender a dimensão não só humanitária, mas humanista. E a sustentabilidade faz isso, porque tem uma abordagem política, onde você olha o homem como provedor de soluções. Não estamos discutindo o verde pelo verde. Estamos discutindo uma nova maneira de nos relacionarmos com o Planeta e no planeta, com as limitações que a natureza nos coloca.
Recentemente a senhora citou a Sociedade 5.0, um conceito em que o ser humano é posicionado no centro da inovação e transformação tecnológica. O Brasil está nesse caminho?
Precisamos discutir uma nova maneira de produzir, a circularidade da economia e o reaproveitamento, onde nisso tudo a inovação tecnológica terá um peso muito grande. É um mundo [novo] que está emergindo. Tem inovação tecnológica na história do homem desde a Revolução Industrial, particularmente no século 20, sim. Mas não na velocidade em que estamos experimentando. O Brasil tem se colocado como provedor de commodities, de matérias primas, enquanto o mundo está discutindo agregação de valor e como você faz um indústria baseada em zero de resíduos num outro patamar de competitividade, onde tudo se cruza.
“Não vamos falar de capital de trabalho, mas de capital de carbono, um mundo que vai ser mediado por isso.”
O Japão já está trabalhando no contexto 5.0
Os países asiáticos estão discutindo os novos modelos de cidade, os novos conceitos de bem estar que envolvem resiliência do planeta, baixo carbono, acesso à comida de qualidade, produção perto de onde você vive, mobilidade com conceito muito mais diverso. Tudo voltado para bem estar e estilo de vida. Você não está exportando só o alimento. Está exportando a água, o carbono, o estilo de vida, a injustiça social. Está tudo na conta. E isso começa a ficar transparente. A maneira de se apropriar disso é estar nesse mundo de inteligência artificial, onde a robótica entra muito incisivamente mudando comportamento, trabalhando nos meios de produção. Não vamos falar de capital de trabalho, mas de capital de carbono, um mundo que vai ser mediado por isso.
“Tenho a sensação que o Brasil está ficando orgulhosamente um país medieval […]. Temos que evitar isso.”
Como a senhora percebe o Brasil nesse cenário?
A sociedade brasileira, que é uma sociedade fantástica, tem que mostrar seu valor no contexto do século 21. Tenho a sensação que o Brasil está ficando orgulhosamente um país medieval e não mais um país global. Temos que evitar isso. A questão do humanismo, da sustentabilidade, da Sociedade 5.0… As pessoas estão trabalhando as suas liberdades individuais e coletivas. Como ser livres, como ir além daquilo que tradicionalmente pensamos. É isso que vem fazendo a geração da Greta [Greta Thunberg, ativista sueca de 16 anos, com síndrome de Asperge, líder do movimento Fridays For Future]. Provocando um debate monumental no mundo. E veja o que a juventude está fazendo em Hong Kong [mais de 11 semanas de manifestações a favor da democracia e contra uma lei de extradição para a China]. Por causas e razões diferentes estão na rua reivindicando viver melhor, de maneira mais justa, dentro da diversidade. Entendendo as diferenças de cada um, mas fazendo isso como identidade política individual e coletiva. E o Brasil está buscando um caminho muito equivocado do ponto de vista do diálogo global.
Tempos aqui iniciativas como a dos jovens do Engajamundo, mas não são muitas nem expressivas se compararmos com o movimento da Greta ou do inglês Extinction Rebellion. Falta consciência política no Brasil para que haja maior reação coletiva contra as políticas que favorecem o aquecimento global?
Não é só no Brasil. Mas o Brasil tem uma condição muito específica, porque tem a Amazônia, que é uma das coisas mais importantes do mundo para que haja equilíbrio climático. O Brasil precisa conhecer o Brasil. A sensação que tenho é que, como tem vários ‘brasis’ dentro do mesmo Brasil, a gente fica muito ligado a um polo tradicional, Rio—São Paulo, achando que você vai resolver os problemas da Amazônia a partir de manifestações na Avenida Paulista. Não vai. Você só vai entender a Amazônia se a Amazônia se colocar para o Brasil como Amazônia. Mais de 25 milhões de pessoas moram na Amazônia. Se as gente discutir os problemas urbanos da Amazônia… Poucas pessoas têm uma avaliação crítica sobre isso no Brasil. Somos capazes de falar do necessário combate ao desmatamento ilegal na Amazônia, mas somos incapazes de falar das prioridades, da emergência de você ter qualidade de vida nos principais centros urbanos. Acho que o Brasil tem pouca solidariedade com o Brasil enquanto coletivo.
Mas manifestações de alerta sobre os riscos provocados pelas mudanças climáticas estão fortemente na pauta do mundo neste momento.
Estão. Mas nós, no Brasil, somos capazes de fazer manifestações legítimas em apoio ao combate à corrupção, à questão da violência urbana, mas não conseguimos dar day after. E a diferença para outros países, é que [neles] há uma estrutura de governança na sociedade para dar day after. Não é só a mídia que cobre. Isso ganha ressonância, as pessoas vão para a rua. Mas elas têm seus problemas como saneamento resolvidos, não têm que lidar com desafios de mobilidade como o de gente que acorda cedo e tem que andar cinco horas para chegar no trabalho. O dia a dia no Brasil é muito perverso para você ter engajamento não só da elite mas de toda a sociedade. Acho que o Brasil tem uma certa fadiga política. A gente precisa renovar a nossa democracia dando voz a essas novas gerações […] que foram para as ruas em 2013, continuam indo para a rua, mas elas precisam estar numa pauta organizada de disputa política saudável pela democracia, e não numa disputa política que faz apologia ao passado, à ditadura. Isso é falso.
“A mudança do clima precisa ser um tema que é parte de nossas decisões sobre desenvolvimento. Não só pela ameaça, mas pela necessidade de mudança de rota.”
Não seria necessário ampliar o entendimento político sobre as mudanças climáticas?
Nós temos as “policies” mas não temos “politics”. Precisamos de “politics” em climate change, não só no Brasil mas globalmente. A mudança do clima precisa ser um tema que é parte de nossas decisões sobre desenvolvimento. Não só pela ameaça, mas pela necessidade de mudança de rota. E temos que buscar as soluções de curto prazo. Não adianta prometer para o final do século. As pessoas estão vivendo o hoje, querem tomar decisão. Você tem que trazer o futuro para o presente. Tem que ter credibilidade política para mobilizar as pessoas, entender os desafios de transição de um país como o Brasil e o nosso papel no mundo para a solução de problemas globais como mudanças do clima, entender o papel político da sociedade brasileira sobre isso.
Existe um negacionismo do aquecimento global no governo do presidente Jair Bolsonaro. Como a senhora vê esse posicionamento?
Hoje o Brasil está exposto a situações complicadas politicamente por conta dessas posturas contraditórias. É um governo que se diz antiglobalista, contra o marxismo cultural, mas que celebra um acordo comercial [Fechado após negociações que levaram 20 anos entre Mercosul e União Europeia] no mundo globalizado. Não é preciso dizer mais nada. Saiu do G-20 dizendo que ia ensinar muita coisa sobre meio ambiente, mas desqualificou os dados da taxa de desmatamento, que é uma referência da Conferência Internacional e da Convenção do Clima. Os dados do desmatamento são transparentes e têm do rigor científico. O Brasil tem uma das melhores ciências nessa área, e está tudo publicado. Se quisessem desmentir, não acha que outros cientistas não teriam feito isso? A própria Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] usa esses dados. Espero que o governo consiga enfrentar o desmatamento ilegal na Amazônia, que é predominantemente ligado ao crime organizado. E entregue o desmatamento zero. Mas, de fato, não com maquiagem em estatística, para depois ficar se desmentindo e tentando corrigir os números.
“Se fizer o dever de casa, o Brasil não só fica no Acordo de Paris como lidera soluções dentro do acordo. É uma escolha.”
O tratado de livre comércio com a União Europeia serviu para atar o Brasil ao cumprimento do Acordo de Paris (considerado histórico, foi negociado entre 195 países com o objetivo de conter o aquecimento global). O tratado ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos europeus. A senhora acredita que o governo Bolsonaro cumprirá o acordo?
São duas coisas diferentes, mas dentre os temas a serem discutidos há a questão ambiental. Dois aspectos estão no tratado de livre comércio, numa cláusula precaução. As questões ambientais, lato sensu, no contexto da sustentabilidade, e as questões climáticas no contexto do Acordo de Paris. O Brasil é parte do Acordo de Paris, tem que ter uma estratégia para implementar sua trajetória de baixo carbono a partir de 2021, apresentar a visão de longo prazo. Não vi ainda nenhum movimento nesse sentido. O governo precisa fazer isso para ter argumentos para negociar a ratificação do acordo no congresso brasileiro. Assim o Brasil vai ter condições de mostrar aos países da União Europeia como e porque vai fazer. Ao mesmo tempo vai poder negociar com seus pares no Mercosul uma linha de compliance com indicadores que sejam convergentes com os interesses de todos esses países. Se fizer o dever de casa, o Brasil não só fica no Acordo de Paris como lidera soluções dentro do acordo. É uma escolha.
Os dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre o desmatamento vêm sendo contestados pelo governo Bolsonaro, que vê nos métodos ideologia e manipulação. [Segundo o instituto, o desmatamento em julho deste ano teve crescimento de 278% em relação a julho do ano passado. Foram atingidos 2.254,9 km². No mesmo mês em 2018, esse índice ficou em 596,6 km²].
O que a ciência está dizendo é que a Amazônia está chegando a 20% da perda da sua cobertura original [De acordo com o cientista Carlos Nobre, se esse número for superado a Floresta Amazônica pode se tornar uma savana]. O que aconteceu com esses 20%? Fizemos o Programa Terraclasse, em parceria com o INPE e a Embrapa, mostrando como é o uso dessa terra desmatada na Amazônia. Percebemos que boa parte dela foi abandonada. Uma parte menor foi de regeneração, uma parte pouca de cidades e outra muito associada a uma pecuária não-produtiva e à grilagem de terra com um desperdício enorme. Para desenvolver a Amazônia nós não precisamos desmatar a maior floresta tropical do mundo. Para quê mais desmatamento? Para continuar tendo os indicadores sociais e econômicos que temos lá hoje?
“Negar que esteja acontecendo desmatamento na Amazônia é uma miopia política sem precedentes. Está acontecendo.”
Então, não dá para contestar os números do INPE...
Negar que esteja acontecendo desmatamento na Amazônia é uma miopia política sem precedentes. Está acontecendo. Qual é a denúncia, o que que o INPE está mostrando? Que o desmatamento está num ritmo muito maior do que nos último anos. Essa é a denúncia. É isso que a ciência está apontando. Tem uma dinâmica de desmatamento e um crescimento, um aquecimento desse desmatamento. A primeira emergência de combate ao desmatamento na Amazônia foi em 1989, depois da morte de Chico Mendes, com o chamado Programa Emergencial da Amazônia Legal, no governo Sarney, com a criação do Programa Nossa Natureza e do Ibama. Foram respostas do governo brasileiro, da sociedade brasileira, a uma enorme pressão internacional. A Amazônia estava queimando. O Programa Nossa Natureza foi uma ação estruturada pelo Palácio do Planalto junto com os militares, mostrando como você tinha que mudar a governança ambiental pública do Brasil. Em 2004, com um novo pico de desmatamento, criou-se o PPCDAM [Plano de Ação para Proteção e Controle do Desmatamento na Amazônia]. Isso mostra que os governos brasileiros, de esquerda, centro-esquerda ou de centro-direita, todos se envolveram no combate ao desmatamento.
“Nós devíamos estar trabalhando para os próximos 40 anos. O que a agricultura brasileira vai entregar entre produção, competitividade e proteção ambiental? Isso é o que interessa.”
Quando a necessidade de preservação da Amazônia é apontada por outros países, o atual governo argumenta que querem tirar a soberania da região.
Soberania você exerce. Ninguém vai tomar a Amazônia. Quem diz que tem desmatamento é a ciência brasileira, não são “ONGs infiltradas”. São instituições científicas sérias como o INPE, a Embrapa e o INPA [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia]. Se você pegar as imagens de satélite do Exército brasileiro, vai ver a história do desmatamento da Amazônia. Não preciso de nenhuma instituição internacional para me dizer o que está acontecendo no meu país. Eu tenho que saber. É o Brasil que tem que cuidar do Brasil. Na medida em que sei cuidar do meu país, sei trabalhar, questionar e evitar, por exemplo, medidas protecionistas infundadas. Nós devíamos estar trabalhando para os próximos 40 anos. O que a agricultura brasileira vai entregar entre produção, competitividade e proteção ambiental? Isso é o que interessa. A Amazônia brasileira é do Brasil, é um patrimônio da sociedade brasileira. A Amazônia tem um papel global? Tem. Como sociedade temos que ser responsável pela sua proteção. E não, acharmos que está todo mundo querendo dominar a Amazônia.
Na sua visão, o desenvolvimento do Brasil passa pelo desenvolvimento da Amazônia?
Sim. Não quer dizer que você tem que desmatar a Amazônia. Você precisa ter uma economia para a Amazônia. A Sociedade 5.0 vem disso. Como é que temos uma empresa de cosmético [Natura], quarta do mundo, baseada na economia da biodiversidade, respeitando direitos sociais, ambientais, dando padrão de produção e consumo? É uma empresa brasileira, não é uma empresa estrangeira. Como é que eu posso manejar a floresta sem desmatar? Nós fizemos isso, concessões florestais com rastreabilidade. O maior domínio da Amazônia está no Brasil, quase 65%. Preservar com conservação, possibilitando que a população que lá vive tenha condições. Não posso achar que desenvolvo o Brasil sem pensar no desenvolvimento da Amazônia. Tampouco desenvolvo a Amazônia sem pensar no Brasil. Precisamos mudar a maneira de abordar isso. Nós nos apropriarmos das riquezas da Amazônia, tradicionalmente, indo lá, construindo, destruindo e gerando bolsões de pobreza sem alternativa para aquele povo. Temos que pensar o novo país baseado em soluções onde a preservação da Amazônia é um ativo do nosso desenvolvimento.
“Está havendo uma simplificação do debate, achando que todo mundo quer produzir soja. Não é verdade.”
O ministro Ricardo Salles afirmou em entrevista à GloboNews que a questão do meio ambiente é muito “mais emocional que racional”, que muita coisa dita lá fora não é verdade e que existe um falso argumento que povos indígenas não querem o progresso. Ao contrário: eles querem estradas e partir para a pecuária e a piscicultura. Segundo ele, quem é contra o progresso são as ONGs.
Acho que ele conhece muito pouco da agenda ambiental do Brasil. Não conhece a agenda nacional, federal nem internacional. Mas não quer dizer que não possa aprender. Como ministro de Estado, ele tem que entender o contexto em que está inserido, e como vai entregar isso mais à frente. As questões indígenas no Brasil têm problemas seculares, não é só de demarcação de território. Não adianta visitar áreas indígenas embargadas pelo Ibama. Tem que ir para as zonas de conflito onde os garimpeiros e desmatadores invadem terras indígenas. Ver a violência sofrida por esses povos, e se eles querem essa piscicultura no modelo do ministro. O que eles querem são soluções, buscar caminhos para o desenvolvimento, educação para os filhos. Natural. Vai conversar com os mundurucus, marubos, iauanauás e ver qual tipo de relação com o Estado que eles querem. Os ianomâmis querem ter suas terras invadidas, querem ser dizimados por doenças trazidas pelos brancos, suas mulheres e crianças expostas à violência? Isso não está acontecendo? As populações indígenas estão indo à Brasília, ao Congresso Nacional, buscando o diálogo. Está havendo uma simplificação do debate, achando que todo mundo quer produzir soja. Não é verdade.
“O Fundo Amazônia é um instrumento importante para a afirmação do papel político do Brasil no exterior.”
No impasse sobre o Fundo Amazônia, dois pontos de atrito se destacam. A distribuição dos recursos (mais de R$ 3 bilhões doados pela Noruega – majoritariamente – e Alemanha, sendo que cerca de 40% iriam para ONGs e universidades). E a governança – o governo argumenta querer uma gestão mais eficiente. Parte do dinheiro seria para indenizar proprietários rurais desapropriados dentro das unidades de conservação estabelecidas pelo código florestal. [Poucos dias após esta entrevista, os dois países decidiram cancelar os repasses].
As pessoas estão discutindo de maneira muito fragmentada a questão do Fundo Amazônia. Ele é um instrumento extremamente importante, resultado das boas práticas de políticas públicas do Brasil. Não é imposição de governo nenhum. Não é governo estrangeiro dizendo “vou dar o dinheiro, porque quero que faça desse jeito”. É um mecanismo que o Brasil ajudou a construir, voltado aos resultados do desempenho do país no combate ao desmatamento. Como o Brasil é um país em desenvolvimento, não tinha obrigações para reduzir a emissão do gás de efeito estufa no âmbito da Convenção. Era uma competência dos países desenvolvidos até o Acordo de Paris. Daí foi negociado um instrumento adotado pela Convenção do Clima, da qual o governo brasileiro é signatário, com autorização do Congresso Nacional. Nele, se propôs a criação de um fundo, onde a sociedade norueguesa, com aprovação do seu parlamento, atribuiu aos resultados do Brasil importância para a redução das emissões como um benefício global. Associada a este instrumento veio a Alemanha. Ou seja, os países começaram a reconhecer os esforços do governo brasileiro no enfrentamento das mudanças climáticas, não é de ONG, mas com o apoio das ONGs nacionais e internacionais.
Quem aprova os projetos que recebem dinheiro do Fundo?
O BNDES, assim está no acordo com os países, particularmente com o governo norueguês. Como reconhecimento do desmatamento evitado, houve um primeiro desembolso de US$ 1 bilhão e, depois, em 2015, mesmo com um pequeno aumento da faixa do desmatamento, negociamos a segunda fase, com mais ou menos US$ 800 milhões até 2020, onde Alemanha colocou € 100 milhões. Isso é um instrumento de cooperação internacional, em que o BNDES foi a única instituição brasileira que reuniu condições necessárias de transparência e competência que os governos envolvidos exigiam. O fundo tem uma série de critérios. O Brasil deveria, por exemplo, ajudar outros países detentores de florestas tropicais a combater o desmatamento. Porque o Brasil tem não só a tecnologia de monitoramento do INPE, mas estratégia de combate a desmatamento. E o Brasil assim o fez, via tratado de cooperação entre países da Bacia Amazônica, através do Itamaraty, alocando recursos para viabilizar a medição da taxa de desmatamento. O Fundo Amazônia é um instrumento importante para a afirmação do papel político do Brasil no exterior, o de um país que sabe cuidar e proteger a Amazônia.
“Não tenho nenhuma filiação político-partidária. Sou uma funcionária do Estado brasileiro. Tenho minhas convicções como cidadã.”
O Brasil pode zerar seus níveis de emissão?
O Brasil emite, mas não como todo mundo. Tem, historicamente, 3% das emissões globais. Com o desmatamento crescendo, vai emitir mais. Mas pode zerar ou neutralizar suas emissões na sua nova agenda de desenvolvimento, resolvendo os problemas das desigualdades sociais, trazendo a sociedade brasileira para o século 21, e não andar a passos largos em direção à Idade Média. Basta optar por uma economia de baixo carbono e de uso eficiente de recursos naturais.
Diante deste panorama, a senhora é uma pessoa otimista?
Sou muito. Nasci e cresci durante a ditadura em Brasília. Sou uma pessoa de classe média, não tenho nenhuma filiação político-partidária. Sou funcionária do Estado brasileiro. Tenho minhas convicções como cidadã. Lutei muito e continuo lutando para defender meu país. Não tenho teoria da conspiração. Não sou também nenhuma tola. Sei que todo mundo joga pesado. Mas aprendi na minha vida profissional, pessoal e familiar a valorizar as instituições, a democracia. Temos que entender a diversidade do diálogo político, construir soluções. E trabalhar muito