GEORGE MOURA: ROTEIRISTA CHORA COM AS PRÓPRIAS CENAS, E DIZ QUE A MELHOR FORMA DE SER FIEL A UMA OBRA É TRAÍ-LA
Na TV, parece que você prefere escrever série a novela, um gênero clássico no Brasil. Há alguma particularidade nessa escolha? *George, que acaba de escrever “Onde Nascem os Fortes”, é autor de séries de sucesso da TV Globo, como “O Canto da Sereia”, “Amores Roubados”, “O Rebu”, “Cidade dos Homens” e “Carga Pesada”. Em 2018, estreia roteiro do novo filme de Cacá Diegues, “O Grande Circo Místico”; e de “O Nome da Morte”, direção Henrique Goldman.
Gosto das narrativas mais condensadas. É um fascínio que tenho, porque no meu processo de escrita, o que acho mais importante, para chegar em algum lugar com a dramaturgia, é reescrever. E o espaço da escrita e o de reescrever se dá melhor quando não há duas caraterísticas da novela, que são: ter 180 capítulos e ser uma obra aberta. Numa obra aberta, por conta do volume industrial, não existe a possibilidade de reescrever. Você precisa fazer um capítulo por dia, seis por semana, não há tempo possível. Na supersérie “Onde Nascem os Homens”, eu e meu parceiro Sergio Goldenberg trabalhamos com escaletas (resumo ordenado das cenas, que serve de guia para o texto final), que são submetidas aos colaboradores. Eles comentam, a gente analisa e reescreve. Lemos e relemos o capítulo, sempre com uma grande interlocução com o Villamarim (o diretor geral José Luiz Villamarim). Fui apresentando projetos de série, de docudrama (escreveu “Por toda Minha Vida”), então ainda não cheguei na novela.
“Onde Nascem os Homens” tem 53 capítulos, enquanto uma novela chega a ter mais de 100. Como controle da audiência, as emissoras costumam criar grupos de discussão formados por telespectadores. Isso muitas vezes deve incomodar o autor da trama de uma novela, que é obrigado a mexer na história. Naturalmente, nas séries, que são mais curtas, isso não ocorre. Como só tem escrito projetos de menor duração, você se sente mais seguro já que sabe que não vai ter esse tipo de intervenção?
Não é uma questão de segurança ou insegurança. Tem uma frase do Walter Carvalho (diretor de fotografia, que também dirige a supersérie) que gosto muito: “A partir de determinada idade todo salto é mortal”. Se a gente tem vontade de contar histórias fortes, emocionantes, há sempre um risco. Porque a gente cria, acredita e leva essa história adiante. Quem vai dizer se ela funcionou ou não, é o público. Quando uma série está no ar, já terminamos de escrever e certamente de gravar, mas pode estar ainda no processo de montagem. Não há muito para se fazer, mudar a rota, como numa novela de 180 capítulos. É outro tipo de mergulho, de aventura. Num filme, também é comum você ficar um ano no processo de roteiro. O filme “Linha de Passe” (dirigido por Walter Salles, e que deu o prêmio de melhor atriz a Sandra Corveloni em Cannes) teve 25 tratamentos diferentes. Trabalhei um ano e oito meses no roteiro. O Walter é um diretor muito rigoroso, então teve muita reescrita e burilamento. Eu trouxe isso para a televisão, o que não é muito comum pela urgência dos prazos. Tento trabalhar com antecedência. Uma característica de uma supersérie, diferentemente da novela, é que a gente trabalha com poucos personagens. Mesmo numa supersérie como “Onde Nascem os Fortes”, apenas nove personagens levam a história. Não é aquela estrutura mais clássica da novela, que são vários núcleos, 30, 40 personagens.
A roteirista Maria Camargo (“Dois Irmãos” e “Assédio”) diz que “não se pode partir para fazer algo para o espectador gostar, muito menos o autor do livro”. E que ela tem que ser, primeiro, fiel às sua próprias emoções para poder se comunicar bem com o espectador ou o leitor de um livro. Gera essa expectativa, frustrar ou não leitor e autor?
Quando você faz uma obra a partir de um livro, você sabe que cada leitor construiu um livro do seu repertório, do seu próprio imaginário. A expectativa é: frustração certa. A melhor coisa é não ter expectativa, é entrar naquilo sabendo que é uma nova aventura, uma nova escrita. É curioso notar que, às vezes, livros de ótima literatura, em geral dão roteiros e filmes medíocres. E, às vezes, livros de subliteratura, dão roteiros e filmes incríveis. Acho bom que o autor do livro compreenda que ele vai ser reinterpretado. Tenho tido ótimas experiências com os autores vivos (a série “O Canto da Sereia”, de Nelson Motta, e o filme “Redemoinho”, inspirado no livro “Vista parcial da noite, Inferno Provisório: Volume III”, de Luiz Ruffato). Do Nelson Motta, ouvi que a série era melhor que o livro dele. Isso foi de uma generosidade incrível. E o Ruffato ficou encantando, disse que pôde se transportar para o lugar da infância. Tive o privilégio de ir com o Ruffato a Cataguases, aos lugares que ele viveu, conhecer personagens nos quais se inspirava. Você vai se contaminando com tudo aquilo. O processo de adaptação é ler 200 vezes, e depois esquecer para você criar alguma coisa a partir daquilo. A melhor forma de ser fiel a uma obra, é traí-la. Parece contraditório, e é. Mas você precisa pegar o coração daquela história, e expressar numa outra linguagem. Esse é o maior desafio da adaptação.
A sua inspiração está condicionada a algum estado de espírito ou a algum momento especial?
Claro que, às vezes, você tem os insights. Por exemplo, a série “Amores Roubados” nasceu de “A Emparedada da Rua Nova”, livro do século XIX, que se passa na cidade do Recife, história absolutamente urbana, que foi publicada em jornal semanalmente como folhetim. Apresentei a ideia como uma história de época, e o Manoel Martins (então diretor de entretenimento da Globo) perguntou: “Mas por que você não faz essa história contemporânea?”. Concordei, mas não tinha a menor ideia. Fui pensar. No meio de uma corrida na Lagoa (Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio de Janeiro), me veio um insight: “Por que não fazer isso no sertão, mostrar algo absolutamente incomum, que muita gente não conhece? O sertão produz uva, vinho, espumantes”. Daí até chegar ao dez capítulos escritos, é trabalho obsessivo, de domingo a domingo, 24 horas. Para mim, são importantes histórias que me toquem o coração, e que eu acredite. O Villamarim gosta de me provocar, diz que escrevo chorando. Escrevo uma cena, acho bonita, ligo para ele e leio. Choro com o que eu próprio escrevi porque me emociono, acredito naquilo. Acho que isso, de certa maneira, impregna as pessoas. A paixão pelo trabalho, pelo ofício, é a coisa de maior respeito que você pode entregar a quem te lê, a quem te vê. Se você faz algo que não tem rigor, que não tem a agonia da escrita, é um desrespeito com o outro. Tempo e espaço são coisas preciosas nos dias de hoje. Você não pode roubar o tempo de uma pessoa.
“Quando você decide correr determinados riscos na parceria, corre-se risco juntos.”
Há uma sintonia fina com parceiros como Sergio Goldenberg, com quem dividiu o roteiro de “O Canto da Sereia”, “Amores Roubados”, “O Rebu” e agora “Onde Nascem os Fortes”. No momento da criação, a divergência de ideias é importante?
É muito importante na dinâmica de um trabalho de escrita feito a quatro mãos, porque as chances de você pegar um caminho e se perder são menores. Há sempre o olhar do outro em relação ao que você está propondo. E o processo de criação a dois é dialético, porque você está permanentemente dialogando. Você diz assim: “E se o personagem fizer isso, e não aquilo; e se ele for para lá, e não para cá?”. Com certeza o seu interlocutor vai ter outra opinião. Às vezes ela é absolutamente contrária. Mas se você tem a confiança, afinidades ativas e eletivas com ele, sempre vai resultar numa melhoria do resultado final. A questão não é quem emplaca a ideia, mas o capítulo ficar melhor. Isso é um norte permanente. A gente pode até quebrar o pau, mas sabemos, pelo respeito e admiração, que a divergência é essencial, porque você cria uma obra mais plural e com mais camadas.
A Maria Camargo diz que tem afinidade estética com a diretora Amora Mautner. Você também já falou o mesmo sobre o Villamarim, com quem já fez outros trabalhos. Na prática, o que é isso exatamente no estado final de uma obra?
Nós nos conhecemos há mais de 20 anos. Temos formações parecidas. Ambos estudaram no Colégio Marista. Os dois viram Godard, Fassbinder, Herzog. Essa formação junto com a afinidade que temos foi criando cumplicidade, que hoje a gente entende, sem falar, o que o outro pensa. É muito forte essa simbiose. Isso gera relação de muita confiança, que quando você decide correr determinados riscos na parceria, corre-se risco juntos. Se der certo, você colhe os frutos juntos. Se der errado, não há culpados isolados. Esse tipo de dinâmica é rara de acontecer. Porque o sucesso sempre tem pai e mãe. Erro, ninguém toma para si. E a gente só acerta arriscando. O Villamarim gosta de ter essa agonia do risco.
“Um personagem sem conflito é, em geral, um personagem sem tempero.”
Para o produtor inglês John Yorke, roteirista da série “EastEnders” e autor do livro “Into The Woods: How Stories Work And Why We Tell Them”, muitas vezes as pessoas não gostam de um personagem mau, elas amam, porque ele é a encarnação perfeita da maldade. Yorke diz que muita bondade tende a matar um personagem. Concorda?
Sim. Um personagem sem conflito é, em geral, um personagem sem tempero. Adoro personagens que caibam dentro dele as ambiguidades. Não que todo personagem precise ser ambíguo. Mas que ele tenha essas reviravoltas. Há algo que a gente trabalhou em “Onde Nascem os Fortes”, que atesta bem isso. Todos nós somos, potencialmente, capazes de matar uma pessoa. E essa possibilidade é uma ameaça para nós e para os outros. E é muito interessante, dramaturgicamente, quando você não compreende tão cedo o personagem. Isso acontece à medida em que ele vai desenvolvendo suas ações no mundo. Gosto desse tipo de coisa. O personagem que é só mal ou bom é pobre dramaturgicamente. O filme “O Nome da Morte” (roteiro de George Moura e do diretor Henrique Goldman) é baseado numa história real de um matador de aluguel que assassinou mais de 400 pessoas. Ele não é um psicopata. Era um garoto jovem, que começa a matar a pedido de um tio. O personagem rejeita a ideia, mas vê nisso a possibilidade de ascensão social. Alguém puxou dentro dele a gênese do mal. Há pessoas que tiram o melhor, e outras que tiram o pior de nós. E esse jogo é humano.
“Escrever é só agonia.”
A série “Por toda a minha vida” recebeu seis indicações ao Emmy Internacional. O filme “Linha de Passe” foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e ao Grande Prêmio Brasil de Cinema (assim como o longa “Getúlio”). A série “Amores roubados” ganhou o Prêmio da Associação de Críticos de São Paulo. Ter você nos créditos é garantia de sucesso?
(Risos). Costumo dizer que sucesso não tem fórmula nem garantia. Fracasso tem. Acontece quando as pessoas dão opinião no seu roteiro e você tenta agradar a todas elas. Se fizer isso, é fracasso certo. Para mim, o sucesso é um enigma permanente. No fundo, no fundo não miro ele. Claro que emocionar o espectador, ser parado na rua e ouvir que a pessoa adorou o que você escreveu é lindo. Nós queremos ser amados, e isso é uma forma de amor. A meta, quando você trabalha com a escrita, é contar uma história que seu coração acredita. Não tem nada a ver com sucesso ou fracasso.
Às vezes, o artista nega a própria obra antes considerada por ele um trabalho primoroso. Já aconteceu com você?
O roteiro é uma obra de transição. Não é uma obra literária como um romance, poema ou conto. Ele é um mapa, um caminho para se chegar num filme, numa supersérie ou num programa de televisão. O roteiro está sempre passando pelo crivo do público, porque não é como um quadro que você pinta, deixa lá, desgosta e diz: “Não quero mais isso”. Costumo não rever as coisas que fiz. Talvez porque estou sempre tentando uma mirada adiante para não me repetir, para investigar coisas que ainda quero conhecer ou criar. Para mim, é cada vez é mais difícil escrever. Vou ficando mais exigente comigo mesmo. É um sofrimento muito grande. Escrever é só agonia.
“ ‘Onde Nascem os Fortes’ é o espelho enviesado dessa realidade brasileira.”
Você acredita que onde o estado não habita, a lei é a do mais forte. Esta é a matriz de “Onde Nascem os Fortes”. No Brasil, quais são os paralelos que te levam a essa constatação?
Nossa. Anteontem. Uma dor, um sofrimento (o roteirista se refere ao assassinato, no Rio de Janeiro, da vereadora do PSOL Marielle Franco). Imaginar que uma pessoa pública, que está investigando questões que são relevantes para toda a sociedade, pode ser assassinada numa cidade que tem uma intervenção militar, às nove e meia da noite num lugar público, e que há suspeitas hoje, não se sabe amanhã, de que cartuchos de bala foram adquiridos pela Polícia Federal… Por que pessoas fazem isso?. Porque acreditam que não vai dar em nada. Isso é a lei da barbárie, da força. “Onde Nascem os Fortes” tem dois personagens femininos muito fortes. Maria (interpretada pela atriz Alice Weggmann) e Cássia (vivida por Patrícia Pillar), mãe de Maria. As duas lutam para descobrir quem matou Donato (Marco Pigossi), o outro filho de Cássia. A mais jovem, tempestuosa, apaixonada, não encontra na polícia e na Justiça respostas, e precisa fazer isso com as próprias mãos e próprios pés. A mãe, mais madura, tenta os poderes instituídos. E essa luta é a luta da ausência do Estado. Você vê uma polícia, uma Justiça operando de acordo com interesses de parentescos e compadrios. De alguma maneira, “Onde Nascem os Fortes” é o espelho enviesado dessa realidade brasileira. Acho bom quando você pode, numa supersérie, na faixa de 23h, trazer temáticas que provoquem uma reflexão da realidade brasileira. Acho que a televisão aberta tem a função de educar de alguma maneira, afinal é uma concessão pública.
Tem algum tema atual sobre o qual você gostaria de falar, mas considera complexo politica, religiosa ou moralmente num país como o Brasil?
A gente não escolhe temas para tratar na dramaturgia. Pelo menos, nós não. Escolhemos personagens. Com eles vêm determinados temas. Assim é em “Onde Nascem os Fortes”. Você tem um grande empresário (Pedro Gouveia, interpretado por Alexandre Nero) que acredita no Brasil, na força do trabalho, e que uma cidade do sertão pode mudar. Tem o Samir, vivido pelo Irandhir Santos, que acredita no perdão, que todo homem pode e deve ter uma segunda chance; e que a salvação daquele lugar se dá com a conexão com o divino. Esses personagens terminam por trazer um tema. O Pedro Gouveia, o da terra; o Samir, o do céu; e a Maria, o da paixão.
“O silêncio modifica sua percepção do mundo.”
Depois de uma certa idade, com a maturidade, alguns indivíduos querem de alguma forma contribuir para o outro, para sua cidade, seu país. Como vê isso com relação ao seu trabalho?
Escrever é uma necessidade, mas também o desejo de dizer algo para o outro. Você não escreve roteiro para botar na gaveta. Escreve para alguém ler, se apaixonar, realizar e ser visto. Isso é uma maneira de estabelecer uma conexão, de tentar, ao tocar o coração dessas pessoas, modificá-las seria pretensão excessiva, mas pelo menos mudar o olhar para a realidade. Tem uma frase que adoro, de um pensador cristão, o Rubens Alves, que diz: “Algumas pessoas levam o cachorrinho para passear quando saem de casa. Eu levo meus olhos”. O artista, quando lança sua visão de mundo sobre um tema, ele está emprestando seus olhos para os outros olharem de alguma maneira. Isso é uma declaração de amor, e ele quer em troca o afeto das pessoas. O difícil, à medida que você escreve — e com a idade — é que você vê muitos filmes, lê muitos livros. Hoje em dia o volume é muito grande, você nem consegue dar conta. Você passa a viver, além da angustia criativa, a angústia da influência. Que é essa ideia:”Gostaria de fazer algo se não de todo original, mas algo que tenha um olhar particular. E essa busca é uma busca ferrenha. É uma luta difícil. Mas acho que tem que ser perpetrada. Ela vale a pena.
No filme “Redemoinho”(direção de Villamarim), há muitas cenas onde reina o silêncio — que é um outro personagem. Qual a importância do silêncio no seu dia a dia?
É essencial. Está dentro dos luxos da sociedade contemporânea. Quando você vai para o sertão — adoro o sertão, cada vez que vou, ele alimenta minha alma —, a primeira coisa que você nota não é a secura. É o silêncio. Você passa a escutar coisas. O vento, o chocalho de um bode que está lá longe, num lugar que você nem está vendo. O silêncio modifica sua percepção do mundo. Silêncio é desconectar-se, por exemplo, do celular, das redes sociais. O silêncio te ensina a esperar, a pensar e a encarar suas próprias angústias, seus próprios vazios. É inerente para o processo criativo. E a televisão, especificamente a aberta, tem uma característica, como filha do rádio, de ser muito falada. Nós trabalhamos o texto (no filme “Redemoinho”) pela subtração. Buscamos em poucas palavras poder dizer o que acreditamos que é necessário. E com isso, abre-se o espaço para o silêncio. Uma música só faz sentido porque entre um acorde e outro há um espaço. Então, entre uma palavra e outra há o silêncio. E entre a palavra de um personagem e de outro também. O silêncio tem uma expressão muito determinante na minha escrita e no meu processo criativo.
“Você permanece em busca da palavra até a morte.”
De todos os escritores que você leu, qual teve maior influência na sua escrita?
Nossa, é difícil responder. Quando jovem, eu sonhava ser poeta. Os poetas sempre me impressionaram. E continuam a me impressionar pelo fato de com poucas palavras falar tantas coisas. E a capacidade que eles têm de modificar a visão da gente do mundo. São muitos os poetas que li, e que mexem comigo ainda hoje. João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Carlos Pena Filho, Joaquim Cardozo, Manoel de Barros, Fernando Pessoa. Esses poetas sempre me ensinam alguma coisa, mesmo quando releio seus poemas. O Manoel de Barros disse certa vez que passou a noite inteira procurando uma palavra. Essa é a vida de quem escreve. Quem escreve para cinema e televisão passa a noite e o dia em busca de uma imagem, em busca de uma palavra precisa para dar conta dos sentimentos humanos. Ao final da jornada, você estará sempre aquém. E por estar aquém, você permanece em busca da palavra até a morte.
Um dos personagens de “Onde Nascem os Fortes”, acredita no divino, no céu. O biólogo Richard Dawkins, autor de “Deus, um delírio”, critica o fundamentalismo religioso e prega o ateísmo. Ele afirma que a hipótese de que existe uma inteligência sobre-humana e sobrenatural que projetou o Universo e o seres humanos é um delírio pernicioso. Você acredita em Deus?
Acredito em Deus. Basta você olhar a história do Ocidente para ver que não há nenhuma civilização que não tenha a figura de uma divindade. A divindade, embora possa ser um artifício, uma invenção humana, é uma invenção que pelo visto se fez necessária. Assim como a arte. Por que fazemos arte? Para preencher os nossos vazios. Para tentar dar sentido à nossa existência. Gosto de trabalhar na dramaturgia a investigação do que ainda não sabemos. Isso é uma aventura legal. E é muito bom também quando você lança um olhar sobre a realidade, e aquilo transforma a percepção das pessoas sobre a realidade. Os poetas têm essa capacidade. Quando Manoel Bandeira diz, num verso: “O aeroporto em minha casa me dá lições de partida”, você nunca mais olha um aeroporto da mesma maneira. Ou quando Fernando Pessoa diz: “Todo cais é uma saudade de pedra”. E quando Manoel de Barros diz sobre Rodin (o escultor francês Auguste Rodin): “O homem que deu angústia às pedras”, você nunca mais vai olhar da mesma maneira um escultura de Rodin. A arte, embora seja profana, tem essa capacidade. O divino, numa outra esfera.