LUIS FERNANDO VERISSIMO: ESCRITOR DIZ QUE ESCREVEU MUITAS BOBAGENS, QUE É MAU HUMORADO E ALFINETA PARTIDOS POLÍTICOS
Luis Fernando Verissimo, no livro “O Analista de Bagé”, o personagem é um psicanalista ortodoxo, freudiano e que se utiliza da terapia do joelhaço — golpe na virilha do paciente, “pra sacudir as ideias e restabelecer as prioridades”. Se o Brasil estivesse no divã, como seria esse joelhaço?
O joelhaço do “Analista” era terapêutico, para ajudar o paciente. Os repetidos joelhaços que o Brasil tem recebido da sua classe política só doem e não curam.
“Por pior que seja o PT, os outros são piores.”
Sua personagem Velhinha de Taubaté, criada no final da ditadura, era definida como “a única pessoa que ainda acredita no governo”. O Brasil teve a oportunidade de experimentar o governo de um partido de esquerda que, apesar dos programas sociais bem-sucedidos, acabou sendo julgado por pecados equivalentes a de partidos que tanto criticava. O que o senhor diria do cenário atual, em que quase todos foram colocados no mesmo saco? A Velhinha de Taubaté estaria desiludida?
A Velhinha de Taubaté, que acreditava em tudo, acabou não acreditando em mais nada. Foi um pouco o que aconteceu com simpatizantes do PT, que só têm um consolo: por pior que seja o PT, os outros são piores.
“Um atordoado perde o senso de direção e pode ser levado para qualquer lado, inclusive a desesperar da democracia.”
Com a crise política instalada no Brasil desde a eleição para presidente da República em 2014, a impressão que temos é a de que não se consegue mais acompanhar o ritmo frenético dos fatos veiculados na mídia. O senhor se sente atordoado?
“Atordoado” é uma boa palavra para nos descrever. E o pior é que um atordoado perde o senso de direção e pode ser levado para qualquer lado, inclusive a desesperar da democracia.
Muito se fala sobre o papel da mídia ao longo dos acontecimentos políticos que se sucederam até agora. O senhor é um cronista. Até onde pode-se acreditar no que estamos recebendo via TV ou jornais? É preciso ter senso crítico bastante aguçado, não? Como o senhor, particularmente, separa o joio do trigo?
Eu já disse que às vezes a única coisa confiável num jornal é a data. Exagero, claro. Mas é preciso saber ler certos jornais com os dois pés atrás, sem cair.
“Eu sou naturalmente mau humorado, com certa tendência à depressão.”
Em tempo de fake news, onde não sabemos mais o que de fato é verdade, o senhor é considerado o escritor brasileiro que mais tem textos que lhe são atribuídos e que não são de sua autoria. Em que medida isso lhe causa incômodo? E como classifica essas hoaxes?
Pois é, qualquer um pode botar qualquer coisa na internet e assinar como quiser. Não há como evitar. E os textos apócrifos às vezes são bons. Recebo muitos elogios por coisas que nunca escrevi. E agradeço a todos, emocionado.
Já disseram que o senhor é uma fábrica de fazer humor. O que deixa Luis Fernando Verissimo de muito mau humor?
Eu sou naturalmente mau humorado, com certa tendência à depressão. O bom humor é que é a exceção.
O senhor se casou em 1963 com a carioca Lucia Helena Massa. Num mundo em que cada vez mais as pessoas estão intolerantes umas com as outras . Qual o segredo de uma relação com mais de 50 anos de convivência? Dizem que só amor não basta.
No nosso caso, o sucesso do casamento se deve à absoluta incompatibilidade de gênios. A Lucia é tudo que eu não sou. Sempre digo que ela é tão simpática que eu não preciso ser.
“Hoje sou um cético convicto, mas sujeito a revelações.”
Na coletânea “As Cobras em: se Deus existe que eu seja atingido por um raio” , as duas cobrinhas vivem tentando conversar com Deus. O senhor já tentou? Ou, uma vez que nunca foi atingido por um raio… No que acredita?
Minha mãe era católica praticante e conseguiu me arrastar para a igreja até os 14 anos, quando passei a ser agnóstico como meu pai. Hoje sou um cético convicto, mas sujeito a revelações.
O senhor já entrou nas casa dos 80 anos. Olhando para o retrovisor, algum arrependimento?
Escrevi muita bobagem e dei muito palpite errado. Fazer o quê?
Olhando para frente, o que deseja muito ainda fazer?
Pelo menos 81.
O senhor é escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista, autor de teatro e romancista. Fora isso tudo, é músico. Qual música o senhor ainda quer tocar no seu saxofone? E por que não o fez ainda?
O saxofone está aposentado, esperando eu recuperar o fôlego. Acho que não vai acontecer.