EDUARDA LA ROCQUE: PARA DISTRIBUIR RENDA, A RODA DO MUNDO TEM QUE GIRAR PARA A ESQUERDA COM GERÊNCIA DE QUEM TEM O CAPITAL, DIZ A ECONOMISTA
Eduarda La Rocque, ao mesmo tempo que te chamam de neoliberal você diz que tem um alinhamento com os pensamentos da Rede. Foi conselheira do candidato do PSOL à prefeitura do Rio, Marcelo Freixo, e costuma dizer que a direita te aceita “porque sabe que ela tem que fazer alguma concessão em termos de distribuição de renda, e rápido”. Isso significa estar “à direita da esquerda e à esquerda da direita”, como já afirmou? *Eduarda La Rocque, que hoje está à frente da Usina Pensamento, é economista, ex-sócia do banco BBM, foi secretária municipal de Fazenda do Rio e presidente do Instituto Pereira Passos.
Ser esquerda ou direita depende de um referencial com relação ao círculo que você está vivendo. Brinco sobre isso com minhas amigas que estão à direita e à esquerda, dizendo que estou no centro. Se ser a favor da responsabilidade fiscal é ser neoliberal, então sou neoliberal. Mas não sou neoliberal porque acho que não é isso que é ser neoliberal. Tive certeza de não ser neoliberal conversando com um amigo que admiro muito. Dizia a ele que as questões fiscais e do teto eram importantes, mas como a gente fazia para diminuir a desigualdade? Ele me perguntou: “Mas por que a desigualdade é ruim?”. Foi aí que vi que não sou neoliberal.
O que você chama de “diminuir a desigualdade”?
Redistribuição de oportunidade, de renda, uma proteção mínima no nosso país, que é muito desigual. Todo mundo fala que o Brasil é um país de renda média, mas na verdade a gente é um país muito pobre. Uma desigualdade absurda. A elite, os 10% mais ricos, detêm 55% da riqueza. Os ricos puxam a média muito para cima. Sou contrária a indicadores de renda per capita, a qualquer coisa média, porque eles não penalizam a desigualdade.
E como combater a desigualdade?
Uma forma é considerar métricas geométricas ao invés de aritméticas. Fórmulas matemáticas simples são capazes de gerar o incentivo que você quer, na verdade redistribuir oportunidade. É igualdade de renda? Não. Igualdade não deve ser um objetivo. É mérito, mas também não só mérito, porque nem todo mundo nasce com as mesmas habilidades. É esse misto entre o capitalismo e o socialismo. Então não, não sou neoliberal. Sou linha Rede, a favor da eficiência econômica, da justiça social. E, principalmente, da governança pública, que é um conjunto de ética, transparência, informação qualificada. Precisamos ter efetivamente instrumentos de participação, de controle social. Isso se tornou mais importante no Brasil do que a questão da justiça social versus eficiência econômica. Na verdade, acho que nem tem mais esse trade-off. Quase ninguém vai discordar que hoje em dia a gente precisa distribuir para poder crescer. Antes havia a ideia clássica de que é preciso crescer para depois distribuir, gerar emprego. Hoje em dia estamos num momento no mundo, principalmente no Brasil, em que precisamos distribuir para poder crescer.
A distribuição seria feita de que forma?
Essa é a grande questão no Brasil hoje. Primeiro temos que reconhecer que estamos quebrados enquanto país, principalmente o Estado do Rio de Janeiro. Não dá para esperar um pacto federativo para aumentar receita. Quebramos. Como vamos realocar os gastos? Não pode ser de uma forma linear, senão para tudo. De fato, se não tiver reforma da Previdência vai parar tudo. É preciso um ajuste muito grande. Mas quem vai fazer esse ajuste? Não são os políticos, que vão negociar entre si. Além de uma câmara de supervisão do regime de recuperação fiscal no Rio, temos que ter uma câmara técnica de priorização de alocação do gastos. Alguém vai ter que pagar a conta, a gente vai ter que redistribuir o bolo, e como redistribuir o bolo? Temos que começar abrindo a caixa preta, dando transparência. Quanto custa aos cofres públicos professores, bombeiros, aposentados; cada secretaria, o judiciário, o legislativo, a saúde, a educação e as isenções fiscais? Tudo tem que ter muita transparência para a gente saber que a redistribuição está sendo feita da forma mais justa possível. Critério de justiça social é fundamental nessa hora de crise absoluta.
“A gente não tem nenhuma capacidade de supervisão sobre o que está sendo feito na cara da sociedade.”
Não haveria a necessidade de uma maior democratização do debate econômico, para permitir que as pessoas formem sua opinião e participem do processo de tomada de decisões que afetam suas vidas?
É fundamental. Isso tem a ver com a governança pública. Os “especialistas” dificultam a entrada do leigo no debate. Eles continuam conversando entre si nos seminários. Isso faz parte da ineficiência do sistema, da falta de comunicação e da especialização exagerada que não permitem o diálogo. Ficam os economistas propondo fórmulas, com cálculo de valor presente, fórmulas que não consideram a trajetória. Economistas são muito arrogantes, acham que mandam na sociedade. E a sociedade tem muito da microfísica do poder, que é o que mais gere a sociedade do que fórmulas impostas de cima para baixo.
Você é a favor do ajuste fiscal?
Sou a favor do ajuste que está sendo feito. Não é uma questão ideológica, mas da vida prática. Precisamos diminuir o tamanho do Estado e melhorar a qualidade do serviço público na ponta. E dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, porque o Estado é de fato inchado, tem muita intermediação e ineficiência num modelo que se avoluma. Essa corrupção generalizada, esse pacto pela ineficiência, em que o Executivo tem muito poder e vai dominando os demais poderes em torno de si. A gestão fica ineficiente. Com instrumentos de controle isso pode funcionar de forma mais satisfatória. O caso do Rio mostra como a gente não tem nenhuma capacidade de supervisão sobre o que está sendo feito na cara da sociedade. Mesmo os especialistas que estavam dentro do governo não viram aquele descalabro todo ao longo do tempo. Então, precisamos renovar nosso sistema de fiscalização, controle social, participação.
Mas com frequência, a participação popular plena e efetiva é vista como uma ameaça. O escritor português Manuel Arriaga (autor do livro “Reinventando a Democracia”) acredita que as chamadas assembleias de cidadãos são uma forma de se criar novas instituições políticas. Concorda com ele?
Cem por cento. A minha experiência com a UPP Social, que era para gerar desenvolvimento urbano, econômico e social nas favelas pacificadas, com integração de políticas públicas e privadas e o setor de pesquisas, mostrou que o tecido social na favela também é complexo. Numa favela não muito grande, você tem 16 associações de moradores, que são novas estruturas de política, a tal da microfísica do poder, que também vai tentando preservar o seu direito. Vejo isso na sociedade de uma forma geral: uma sociedade hierarquizada, em que as pessoas estão brigando para garantir seus espaços. Mas é um mundo que está ruindo. Uma sociedade em rede, que não tem garantia, que não tem um olhar de cima, de baixo, de esquerda ou de direita. Ou seja, que está surgindo. Mas um mundo muito hierarquizado, que ainda tem essas figuras que querem garantir o seu lugar de fala, de poder. Você vê isso em qualquer dimensão. Na disputa eleitoral em uma favela ou num presídio americano de mulheres, como no seriado “Orange is the New Black”. A estrutura de briga da microfísica do poder é muito grande em todas as áreas. A pergunta é como você faz essas mandalas, essas engrenagens girarem em prol do bem comum.
E qual sua visão do mundo?
Minha visão otimista é que ele está tão ruim, que a gente vai precisar chegar a um consenso mínimo para gerar um mundo com bem-estar tanto para os pobres, principalmente para eles, mas também para os ricos. Não dá mais para fugir da questão de redistribuição de oportunidades, de renda. O Göran Therborn (sociólogo, professor de Cambridge, Inglaterra) fala da desigualdade vital, que a gente já nasce com uma desigualdade arraigada, e que temos uma função no Estado de redistribuir essas oportunidades, garantir uma proteção mínima para quem tem menos habilidades. Então, não é só a meritocracia. É um misto das duas coisas. É o bem-estar social que se perdeu ao longo de algumas décadas.
“Acredito no redirecionamento do capital financeiro de altas fortunas para causas socioambientais.”
Na política, essa redistribuição de oportunidades seria promovida pela esquerda, pela direita ou pelo centro?
Esquerda ou direita é uma questão de ponto de vista. A questão ética, não. O partido com o qual ideologicamente eu mais me alinho é a Rede, pela sustentabilidade. Dentro da Rede, assim como em todos os partidos, há pessoas mais ou menos alinhadas tanto do ponto de vista ideológico quanto do ponto de vista ético. No Brasil, o alinhamento ético tem que vir acima de tudo. Existe um conservadorismo que está fora do meu horizonte. Liberdade intelectual e artística são questões que nem considero mais discutir. No Brasil, infelizmente há um retrocesso tão grande que a gente acaba tendo que discutir. Dentro do meu escopo, na minha extrema direita está o Partido Novo. Na minha extrema esquerda, o PSOL. E no meu meio, a Rede. Topo conversar com um, topo conversar com outro. São partidos que em geral têm honestidade intelectual, acreditam naquela ideologia e estão dispostos a mudar de opinião, assim espero, se você tiver evidência, estudo de caso para mostrar que uma coisa funciona mais do que outra.
Você já disse que “a elite não está precificando corretamente o risco de caos social”. E alguns acreditam que o mundo está entrando em convulsão pela falta de critérios humanísticos nas tomadas de decisão sobre capital e sociedade. As duas afirmações falam da mesma coisa?
Um capítulo do livro que estou escrevendo fala de uma nova democracia, que tem a ver com um novo capitalismo. Eu contra-argumento a teoria do Achille Mbembe (historiador e cientista político nascido em Camarões) sobre uma grande nova guerra, a do capitalismo neoliberal contra a democracia liberal. Eu acho que é possível a convivência do capitalismo com uma visão mais humanista. O capitalismo concentrador de renda, financeiro e neoliberal chegou numa entropia. Tem um erro crasso na teoria econômica, que é dizer que as pessoas são consumidoras, que a utilidade do consumo é sempre crescente e que quanto mais você consumir, melhor. E não é verdade. Chega uma hora que não é mais o consumo, e que uma unidade a mais de riqueza não faz diferença para as famílias mais abastadas. Até por necessidade, não só por uma questão de direitos humanos, mas para alguma razão de viver que não é mais acumular riqueza, acredito no redirecionamento do capital financeiro de altas fortunas para causas socioambientais. Como é que você faz o dinheiro do topo da pirâmide chegar sem intermediário na base da pirâmide? É um modelo de desintermediação. Sou a favor do imposto mundial de grandes fortunas.
“Quem tem que pagar a conta não é o país X ou Y, mas os ricos, como uma medida compensatória.”
Mas quem paga a conta?
Quem tem que pagar a conta não é o país X ou Y, mas os ricos, como uma medida compensatória da alta concentração de renda dos últimos tempos. Mas a minha solução é a intermediária, que para variar sofre críticas da esquerda e da direita (risos). Porque eu deixaria, com fiscalização, que essas fortunas fossem administradas pelo próprio mercado financeiro para usufruir dos ganhos de eficiência global. Como se fosse um imposto autogerido pelos grandes centros, que historicamente visam só o lucro econômico. É uma visão nova do capitalismo, que expande o capitalismo social, econômico e ambiental, reunindo as questões de governança e as fórmulas da ONU. Você pode colocar tudo isso junto e construir um consenso mínimo e uma meta a se perseguir, baseado no valor presente de bem-estar da humanidade.
Você prevê o envolvimento da sociedade nessa discussão?
Sim. Não tem projeto de melhoria de qualidade de vida imposto de cima para baixo, com um Estado ditatorial. Qualquer projeto, com um mínimo de sustentabilidade, tem que envolver a população desde a concepção até a avaliação. O que estou propondo é um modelo de organização social dos pleitos. A internet e os aplicativos permitem uma fiscalização sobre a qualidade da provisão pública com relação à priorização, se você souber fazer a pergunta certa. Se você perguntar: o que você quer, a gente não consegue sair do lugar. Precisamos colocar decisões para que as pessoas possam de fato se manifestar. Por exemplo, quando se fala que a Rocinha não quer teleférico, quer saneamento. Essa é a melhor frase que se tem. Mas há nuances. Não é só a comunidade que mora na Rocinha que tem que definir o que a Rocinha quer, porque ela está dentro de um contexto urbano. É um sistema que envolve a participação popular, as partes mais diretamente interessadas, mas também a sociedade.
“Precisamos construir um mundo mais colaborativo, menos competitivo. […] Temos que rodar para a esquerda para redistribuir riqueza, renda e oportunidade no mundo.”
Tudo isso tem a ver com mudanças de valores, não?
Sim. A sociedade está muito esgarçada, operando só nas pontinhas e não no que é consensual. O custo-benefício é mais eficiente se a gente gastar nossas poucas energias e recursos no que é consensual do que nas pautas específicas da sociedade, mesmo que legítimas. Estamos esquecendo o que é comum da humanidade. Um mínimo de convivência social. A gente vive num mundo de violência urbana absurda, cada um defendendo o seu direito pessoal. Precisamos construir um mundo mais colaborativo, menos competitivo. Como é que a gente começa a rodar para o outro lado? Eu brinco que não importa se é para a esquerda ou direita, mas vamos rodar para algum lado. Não dá para cada um puxar um vetor para expandir a sociedade e não sair do lugar. E se for para escolher o lado, acho que temos que rodar para a esquerda para redistribuir muito fortemente riqueza, renda e oportunidade no mundo.
A democracia falhou?
A democracia liberal faliu. É a crise das instituições. No livro “Democracia, um mito”, o Netto (João Uchôa Cavalcanti Netto) não acha que é uma questão de transformar os Três Poderes, mas suprimir, acabar. Porque não dá para reformar o que veio do século 19 e já está podre. Penso se não seria o caso de reformar. Tem um mundo ruindo e um novo sendo construído. Esse mundo novo vai aproveitar essas instituições do velho mundo? Tendo a acreditar que sim, sem tantas regras, com uma nova Constituição. Quando falo nova política é em antítese à velha política, que é a prática do conchavo. E quando falo nova democracia, é em antítese à velha democracia, em que os acordos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário estão mostrando aí a que vieram.
“Tem alguma coisa que a gente tem que acumular indefinidamente? Tem. Bem-estar, que envolve redistribuição.”
Nem o socialismo nem o capitalismo parecem ter dado certo. Diria que existe uma terceira via?
As pessoas precisam de nomes. É capitalismo socioambiental ou capitalismo social, ambiental e econômico? A palavra capital já não é bem vista, porque vem de um linguajar financeiro. Acho que o capitalismo expandido, o tal welfarism, é a terceira via: juntar capitalismo com socialismo. Ter um Estado com proteção, mas também com meritocracia. Um Estado eficiente, mas com viés de redistribuição. É a linha do livro “Saving Capitalism from the Capitalists” (Raghuram G. Rajan e Luigi Zingales). Se os capitalistas forem focar só no lucro econômico, vão tender a acumular bens. Acho que a nova ordem começa com o rompimento da lógica de que sucesso é igual a felicidade e a dinheiro. Não é.
E o que nós estamos buscando?
Bem-estar. Talvez eu possa até ser vista como tendo uma visão um pouco preconceituosa do mundo. Mas dado que o foco é ganhar dinheiro, os melhores são direcionados para ganhar dinheiro. São os economistas junto com os advogados, que vão fazer e usufruir das leis. É a armadilha da riqueza e da pobreza, a coisa vai se autofinanciando. É isso que a gente viu no mundo. Um processo de acumulação de riqueza desenfreada, que não agrada a ninguém. Tem alguma coisa que a gente tem que acumular indefinidamente? Tem. Bem-estar, que envolve redistribuição. Porque uma unidade de renda vale muito mais numa família pobre do que numa família rica. Temos que ter essa conscientização. Não é evitar métrica, mas colocar questões de desigualdade com médias geométricas ao invés de aritméticas. Acredito nisso. Ou, então, o cenário catastrófico de que o capitalismo neoliberal vai comer a democracia, a era do humanismo e que a gente só vai ter guerra é um cenário viável, infelizmente. Mas acredito num cenário em que esse capital, que financiou uma acumulação desenfreada de riqueza desde Breton Woods (conferência que em 1944, redesenhou o funcionamento do capitalismo e criou o Banco Mundial e o FMI), comece a trabalhar em prol da redistribuição de riqueza, de geração de bem-estar, de melhor qualidade de vida urbana, de causas sociais e ambientais.
“Uma sociedade menos desigual, além de ser mais justa, é mais feliz e sustentável.”
Existe uma predisposição dessa classe a fazer essa revolução?
Existe. E acho que é possível. A questão cultural do marketing é importante. Fumar já foi a coisa mais charmosa do mundo. Hoje em dia fumar é a coisa mais deplorável do mundo. Ter dinheiro, carros Ferrari, já foi a coisa mais desejada do mundo, mas pode ser que deixe de ser. Em vários lugares, ter tanto, ostentar, não é bem visto. Aqui, os 10% detém os 55% da riqueza; na França, os 10% detém 33%.
Você é otimista?
Sou. Mas fico pensando se não estou sendo otimista demais. O mundo não é pendular, é em círculo. A gente já passou por outras guerras. Tenho medo de que venha uma ditadura, do caos social. Eu disse que a elite não está precificando o caos social. Depois fiquei pensando, não é verdade porque boa parte da elite já foi para Portugal. Essa é a verdade. Existe um cenário otimista nos preços dos ativos. E acho que de fato a gente pode ter problemas grandes de curto prazo, porque a elite faz conta de valor presente. Mas a hora que a crise pega, o dinheiro vai acabando, todo mundo vai piorando e a base passa a ter fome. O Brasil é um país cheio de ativos para o novo mundo, esse mundo do bem-estar, da sociedade do conhecimento. Podemos ser capital da biodiversidade. A gente tem o pulmão do mundo. A partir do momento em que o mundo começar a valorizar essa questão do bem-estar, nossos ativos serão ainda mais valiosos proporcionalmente. Acredito muito nos ativos brasileiros, sejam ambientais, humanos. Temos uma capacidade de sermos felizes. É uma questão de governança. Estou tentando colocar um cenário bem otimista: o capital financeiro trabalhando por causas de qualidade de vida urbana.
Ao se defender dos que a criticavam por apoiar Marcelo Freixo, você disse que não dava mais para ”exercer as velhas práticas políticas, empresariais, ongueiras e universitárias de uma sociedade de escolhidos”. O que mais a angustia quando olha o cenário do Brasil atual, que apresenta crescente descrédito da população nas instituições públicas e em políticos e empresários que ou estão sendo investigados ou estão presos?
Apesar de a gente estar numa situação muito pior do ponto de vista econômico e de caos social, pensado a longo prazo, meu nível de angústia hoje é menor. Desde as manifestações de 2013, foi despertado um senso de pertencimento da coisa pública. Acredito numa revolução da gestão da coisa pública. Não é só o Governo. É todo esse setor que de alguma forma se apropria sem nenhum comprometimento com a eficácia, com a eficiência do uso do gasto público. Somos uma país pobre, temos que priorizar no que vamos gastar. O dinheiro tem que chegar na base da população, não ficar nos intermediários, nos salários gigantescos. Alguém está pagando sempre a conta. Temos que saber quanto custa e quem está sendo beneficiado. Quem é a favor da redução da desigualdade não pode ser contrário a algum tipo de reforma da Previdência. Talvez não a que aí está, mas a gente tem que cortar privilégios. Os privilégios são dos aposentados, são em parte dos servidores públicos vis-à-vis os do setor privado? Essas discussões têm que ficar mais claras para que a sociedade tome a decisão: estamos quebrados, o que a Constituição de 1988 prometeu não foi viável de oferecer, vamos ter que rever direitos adquiridos, sim.
Mas como rever esses direitos?
Só através de uma nova Constituinte. É um processo de renovação de longo prazo. Mas tenho esperança, porque a transparência e a informação podem revolucionar a forma de gerir a coisa pública. Isso já aconteceu no passado, com os bancos de investimento, na quebradeira da década de 1990 por operações estruturadas escondidas. Quebraram o Banco Barings e Orange County, um município com operações e derivativos. Então já teve esse negócio no mercado financeiro. Depois no setor empresarial, com a governança corporativa a partir de fraudes como a da Enron e da Worldcom. Aí veio a Lei Sarbanes Oxley, para responsabilizar. A terceira onda, a da revolução pela informação, vem pelo setor público. Quero forçar para que isso aconteça o mais rápido possível. Para que a gente tenha uma discussão de alto nível sobre propostas, valores, projetos e renovação política. É possível? Não sei.