Diego Badaró

Diego Badaró, fabricante de chocolate orgânico | por Heloisa Eterna | foto Christian Cravo | Fevereiro 2017

DIEGO BADARÓ:  MIX DE CHOCOLATE 100% COM  VIAGEM PARA OUTRAS DIMENSÕES DO TEMPO

Diego Badaró, qual o segredo de um bom chocolate? 

O segredo está no grão. Não adianta ter equipamentos e know-how sem uma boa matéria-prima. Normalmente, da fazenda à prateleira do supermercado, o chocolate industrial leva uma semana. É colhido verde, maduro, doente. Secado artificialmente no fogo. O cacau que nós fazemos leva até três semanas. A gente colhe a fruta no ponto certo. O fruto do cacau fica em uma caixa de madeira, forrada com folha de bananeira, para não entrar em contato com o ar e acabar num processo de fermentação aeróbica. Assim, você vai criando o sabor do cacau. Se quer um grão mais frutado, floral, tem que passar por um trabalho de fermentação que leva de cinco a sete dias. Depois tem a secagem lenta ao sol.

É verdade que no Brasil 99% dos chocolates não são considerados chocolates de qualidade, porque são puro açúcar e massa de cacau? 

Não sei se o número é esse, mas o Brasil é o terceiro mercado de chocolate do mundo. Por lei tem que ter 25% de cacau. Mas você encontra por aí com 5, 10, 15% de cacau na formulação.  É uma fórmula química que você está consumindo, mas não o alimento completo como o cacau é na sua composição. Quando você tem um chocolate acima de 70%, tem um alimento altamente benéfico.

“Quando se pensa em chocolate, a referência que as pessoas têm é o chalezinho suíço, a vaquinha no pasto, mas não a floresta.”

Qual o seu maior desafio como produtor de cacau?

Queremos resgatar a cultura do cacau no Brasil, uma planta brasileira, da bacia amazônica. Mas quando se pensa em chocolate, a referência que as pessoas têm é o chalezinho suíço, a vaquinha no pasto, mas não a floresta. Se a gente consegue disponibilizar para o mercado um chocolate com alto teor, isso vai estimular a produção do cacau, vai manter as florestas intactas e trazer as pessoas de volta ao campo. É um grande desafio, porque essas pessoas estão cada vez mais desconectadas da terra. E esse é o novo paradigma: qual é a nossa relação com o planeta, o que a gente vai deixar para as futuras gerações. A gente consome um planeta e meio por ano.

Como assim?

A biocapacidade de regeneração da Terra foi ultrapassada. Eliminamos os recursos naturais acima dessa capacidade que ela tem de se recompor, esgotando as reservas. No Brasil, a destruição da floresta para a pecuária é alta. E tem o abandono das pessoas nos ecossistemas. Elas são desvalorizadas no seu trabalho e não querem mais trabalhar com a terra. Querem as oportunidades dos centros urbanos. Mas claro, elas não têm nem o básico: hospitais, boas escolas, energia. Não querem mais viver da terra.

Com esse êxodo, como consegue manter os agricultores nos seus 600 hectares de terra no sul da Bahia?

Quando cheguei em 2002, encontrei as pessoas que já estavam lá há 20, 30 anos. Inicialmente tiveram uma resistência, porque cheguei implantando um novo conceito, de resgate do solo, da agricultura orgânica, dos princípios biodinâmicos de integração com o Universo. De valorização do cacau, da separação por variedades, o trabalho da fermentação. O segredo de um bom chocolate está também na fazenda, nesse mundo invisível da fermentação das leveduras, das bactérias.

Os agricultores entenderam a sua proposta?

Como estavam acostumados a vender para o mercado local, não entenderam de cara. Mas passaram a perceber as mudanças, a vitalidade da terra, a melhora na produtividade. O primeiro passo foi fazer com que acreditassem no orgânico. Depois, trabalhamos a qualidade. Fui buscar o mercado lá fora, botei os grãos de cacau na mochila. E trazia chocolates de vários lugares do mundo, de várias origens, para eles verem o perfil de cada região. O segundo passo, foi mostrar que a gente estava fazendo aquele mesmo trabalho, levando o terroir da Bahia para fora. Hoje tenho essa velha guarda comigo, que é uma turma muito boa, 20 fiéis guardiões da terra.

“Quando medito, pego metade de uma barra de chocolate, coloco na boca e deixo derreter […]  E aí perco essa memória material do corpo, fico só vibrando em luz e cor.”

O chocolate 100% cacau da Amma é o mais vendido no Brasil?

Ele é o nosso top, o mais vendido. É surpreendente. O chocolate existe há mais de 6 mil anos. Essa adição do açúcar e das gorduras distorceu o verdadeiro valor do chocolate. As pessoas associam o chocolate a um prazer imediato, mas acabam tendo o barato do açúcar e não das propriedades benéficas do cacau. A sensação de comer um tablete puro de cacau é muito boa. Quando medito, pego metade de uma barra de 30 gramas do 100% cacau, coloco na boca e deixo derreter, não mordo. Ponho uma música, fico num lugar escuro só respirando. E ele vai escorrendo lentamente pela garganta, ativando todas as células até chegar na ponta dos pés. E aí perco essa memória material do corpo. Fico só vibrando em luz e cor.

Os chocólatras vão ficar chocados com sua afirmação de que a produção de chocolate no mundo está com os dias contados. Isso é verdade? 

O chocolate como a gente conhece, de ir ao supermercado e comprar uma barra, isso vai acabar em pouco tempo. Porque a maior produção do cacau vem da África, onde os produtores já atingiram a expectativa de vida, não tem sucessão. Além do problema do trabalho escravo infantil, muito grande, e do desmatamento. A Indonésia, que é o terceiro produtor mundial, desmata muito para plantar o dendê e fazer o óleo de palma. Então, a produção de cacau vem diminuindo. O consumo aumentando. Com esse mercado do chocolate com alto teor de cacau, a demanda é muito maior. A Ásia, que nunca foi um mercado tradicional de chocolate, está começando a consumir muito também.

“O chocolate vai se tornar um produto muito raro e caro, mas de alta qualidade.”

Você se refere ao chocolate industrial?

Isso. Esse mass maket, como a gente conhece, de volume, vai desaparecer e você vai ter várias marcas como a Amma. Hoje é um movimento global, de produção local. O chocolate feito no país de origem, e não mais enviar matéria-prima para o hemisfério norte para que processarem lá. Hoje existem mais de 30 marcas no Brasil produzindo chocolate de origem. Produtores de cacau que estão fazendo sua barra e pequenas indústrias localizadas na região do cacau. Tenho amigos no Vietnã, Madagascar, Peru, Equador… Criamos uma associação, a Direct Cacau, onde há políticas e parâmetros para valorizar o cacau e educar o produtor. O chocolate vai se tornar um produto muito raro e caro, mas de alta qualidade.

Os chocolates Amma são exportados para quais países?

Estados Unidos, Dinamarca, França, Suécia, Finlândia, Espanha, Portugal, Coréia do Sul, Japão, Austrália, Holanda, Nova Zelândia, Bélgica, Argentina e Chile.

Você produz 80 toneladas/ano. E quanto é exportado?

Até dois anos atrás, 75% do que a gente produzia ia para fora. Hoje é meio a meio, porque estamos valorizando muito o trabalho interno no Brasil, o resgate do mercado.  É um processo difícil, porque não tem distribuidor. Lá fora tem toda uma cadeia implementada de valorização de produtos como o chocolate. Aqui a gente faz esse trabalho direto com todos os pontos de venda. E ainda tem no Brasil o varejo, que cobra alto na ponta final.

Nem todo mundo sabe, mas o cacau é uma commodity negociada na bolsa de valores. Quanto custa o quilo de bombom na Europa?

É uma commodity muito desvalorizada, cotada na bolsa de valores de Nova York. O cacau nunca deveria ser cotado na bolsa, porque é um duto ambiental e social altíssimo. E o chocolate não deveria ser controlado (80% do mercado) por duas ou três empresas européias e americanas. Um quilo de cacau custa 3 dólares na bolsa de Nova York. Um quilo de bombom na França sai a 500, 600 euros. Com aquele quilo de cacau fazem dois de bombom. O chocolateiro nunca pisou numa fazenda de cacau. Ele já recebe o produto elaborado, e só derrete a barra de chocolate. Enquanto que a pessoa que está na terra, preservando a vida, toda essa riqueza, ela não tem esse valor.

Quais são as marcas de chocolate que considera as melhores? 

Número um, o Amma (risos). Mas tem a Marou, no Vietnã; Pakari, no Equador; Naive, na Lituânia;  Bonnat e o Pralus, na França; George e Ramona, na Alemanha. Esse meu amigo da Alemanha faz chocolates muito interessantes. Ele fez um com brócolis, um com beterraba. O de brócolis é como se você comesse um brócolis tostado.

Além de trabalhar nas fazendas, com o crescimento da Amma você passou a ficar mais tempo em São Paulo. O estresse da cidade grande faz sentir que o tempo está cada vez mais curto?

Percebo que o tempo passa muito rápido. Gostaria de poder fazer mais coisas, mas não fico angustiado. Porque o tempo que a humanidade entende é linear, contado pelo sol, a lua, dia e noite. É uma ilusão. O tempo universal simplesmente é infinito, e você pode acessar tanto o passado quanto o futuro nesse tempo. Tive algumas experiências interessantes acessando outras dimensões do tempo. Viajei para alguns lugares, épocas. Acho que a gente tem que fluir.

Que tipo de experiências você teve?

Através da meditação. Acabei acessando tempos diferentes, dimensões que estão aí paralelas às nossas e não percebemos no dia a dia porque ficamos muito no mental. Mas o invisível é a maior força.

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