BELA GIL: LIBIDO-SURPRESA, PAI RELAX E LIVRE ARBÍTRIO PARA O ABORTO
Bela Gil, por que as pessoas ficam tão chocadas quando você diz que não usa absorvente, que comeu placenta após o parto e que escova os dentes com argila?
Acho que é uma maneira de questionar hábitos muito enraizados na nossa cultura, que você toma como certo, o normal, prático, único. Alguém chega e faz diferente, a pessoa leva como insulto, para o lado negativo. Se chega alguém e mostra uma alternativa legal, com produtos mais tradicionais, de práticas milenares, mais ecológicas, mais econômicas, elas se sentem afrontadas. Pensam: “Sou uma pessoa ruim por não fazer isso”. Então, me atacam. Tem essas pessoas, por isso gera polêmica, mas tem gente que se inspira, tenta mudar ou já faz, se identifica, gosta. Acredito que as polêmicas surgem pela falta de vontade de sair da zona de conforto.
O que você faz e acha que provocaria uma nova discussão?
Sou muito aberta, tendo a compartilhar muita coisa. Tanto é que meu novo programa (“Vida mais Bela”, canal GNT) é basicamente isso. Abro a porta da minha casa e mostro todos esses hábitos, a maneira como educo meu filho e minha filha, o que eu como e tudo mais, coisas que geram polêmica. Não uso xampu. Uso bicarbonato e vinagre. Mas nenhum cabeleireiro resolveu me atacar, não deu uma polêmica muito grande (risos).
Alguma resistência em família aos seus hábitos mais naturalistas?
Não. Tive meu filho em casa, e meu irmão (a mulher dele) também. Quando o Nino nasceu, ela havia acabado de descobrir que estava grávida. Acho que influencia, as pessoas se sentem inspiradas. Somos uma família muito unida. No máximo poderia acontecer de dizerem: “Caraca, lá vem mais uma da Bela”. Minha mãe (Flora Gil) e meu pai (Gilberto Gil) são muito abertos a essas ideias. Podem não praticar, mas respeitam.
E o que faz mais sucesso entre seus pais?
Eles compram só orgânicos e têm uma preocupação muito grande com a origem dos alimentos. Minha mãe adotou o suco verde.
“É uma pena que a política do nosso país permite essa quantidade de agrotóxicos e apoie a monocultura. Isso sim, é uma palhaçada.”
Mas o acesso aos orgânicos ainda é limitado dado o alto custo desses alimentos.
Infelizmente nem todo mundo pode comprar, mas a gente vem lutando para mudar. Acho que todos esses escândalos na indústria alimentícia, como soda cáustica no leite e papelão na carne, só demonstram que esse sistema de consumo de alimentos é inviável, insustentável. Está em colapso e tem que mudar. O caminho são os pequenos produtores, a diluição do monopólio. Lembro da minha avó indo ao açougue comprar carne. Hoje onde você encontra um açougue? Acabaram com os pequenos frigoríficos. Os orgânicos precisam ter mais visibilidade, quem pode deve comprar dos pequenos produtores, para que a gente consiga entrar na disputa. Ainda é muito injusto. Se você comparar uma alface orgânica com um produto processado, produto transgênico e subsidiado pelo Governo, é uma piada. As pessoas falam que orgânico é caro. Tem que ser se não o produto não sobrevive, né? E é uma pena que a política do nosso país permite essa quantidade de agrotóxico e apoie a monocultura. Isso sim, é uma palhaçada. Por isso digo que o sistema tem que mudar. Senão o orgânico vai continuar caro, bem caro.
Você não é vegana, ainda come carne…
Não sou, e como carne muito raramente. Quando como gosto de saber a procedência dos alimentos, principalmente das proteínas animais. Gosto de saber de qual região, de que fazenda vem a carne, o frango. No hotel, onde eu assino o cardápio, a gente serve um prato em que a carne é orgânica, o boi come pasto, de uma fazenda do Mato Grosso. O problema, então, não é a carne, mas a forma como ela é produzida e a quantidade que é consumida. As pessoas comem muito.
Houve uma polêmica recente entre uma apresentadora e uma seguidora dela nas redes sociais sobre a maneira de fazer uma maionese. Acredita que a busca pela alimentação saudável está deixando as pessoas mais paranóicas?
A pessoa pode comer maionese, maionese não é ruim. Muitas vezes temos noção muito errada do que é saudável. Que é o que a mídia passa, essa onda fit. Depende muito do que você chama de paranóia. Porque se a pessoa se sente bem comendo aquilo, se gosta e tem prazer em comer um painço, isso não é paranóia. É simplesmente você sendo feliz. Sua busca por felicidade pode ser diferente da busca do outro. Então, isso é respeito a como as pessoas se comportam em relação a alimentação. Passei anos sendo mais radical, não comendo alimentos que realmente não me faziam tão bem. E as pessoas diziam: “Por que que você não come isso, não come aquilo?”. Não como porque não me faz bem. Comer saudável é comer de uma maneira que o impacto seja menor nas outras pessoas e ao planeta. Se a pessoa tem um problema de saúde, tem disturbios, é diferente. A gente precisa respeitar os desejos e opiniões alheias.
“Com as surpresas vou mantendo a libido.”
Hoje há milhares de perfis nas redes sociais de mulheres saradas que dão dicas de exercícios e alimentação. O que acha dessas musas fitness?
Isso é tão distante da minha realidade… Mas se elas estão inspirando as pessoas a entenderem o que estão comendo e a comer melhor, é válido. Mas se leva a pessoa a se sentir mais inibida, mais culpada porque não tem o corpo ideal, aí acho ruim.
Você tem um programa de TV que mostra seu dia a dia, e com isso revela sua intimidade. Não teve medo de ficar exposta demais?
Não. A forma de exposição é a mesma que tenho nas redes sociais. O programa é um minidocumentário da minha rotina.
Em pouco tempo você construiu um império: tem programa de TV, restaurantes, produtos licenciados, livros. Tudo que você toca vira ouro?
Graça a Deus tudo que tenho feito tem dado certo, e é muito surpreendentemente para todos. Fico feliz com isso. Meu objetivo, mais do que qualquer outra coisa, é munir as pessoas de conhecimento para que elas possam, com pequenas mudanças no dia a dia, mudar a forma como a gente vem tratando a alimentação e a produção de comida.
Você diz que não usa maquiagem nem outros cosméticos, apenas óleo de coco. Quando é mais vaidosa?
Sou muito básica. Uso maquiagem de vez em quando. Maquiagem na nossa sociedade ocidental é a maneira que a gente tem de se embelezar, e beleza é importante. Mas tem maquiagens e maquiagens. Você pode ter uma maquiagem orgânica ou usar uma cheia de substâncias tóxicas, que no uso diário pode te fazer bem mal. Procuro usar as coisas mais naturais possíveis. Meu blush e baton são de urucum, meu lápis é de cajal, que é indiano e feito a partir de ervas.
Como faz para manter a libido estando casada com a mesma pessoa desde os seus 15 anos de idade?
É algo muito intrínsico, não consigo externalizar em palavras. Acredito que as relações vão mudando. Não sou mais a mesma pessoa nem meu marido é. Dentro dos casamentos existem vários namoros, várias fases de paixões, descobertas, situações mais chatas, filhos. E cada fase dessa é uma descoberta. Com as surpresas vou mantendo a libido.
Já tentou sexo tântrico?
Uma amiga minha, a Francisca Botelho, me fala que eu vou amar. Mas não tive oportunidade. Acho que pode ser interessante.
Você defende o direito ao aborto. Já fez ou sofreu algum?
Não, nunca graças a Deus. Para mim é um direito básico da mulher. Saber se ela quer… é um direito você querer. Discussões ainda tem que… É um trabalho difícil, porque é muito complicado ainda. Tem a questão religiosa, muitas questões éticas e morais que o aborto carrega. Mas para mim é um fato básico, que é a questão da mulher poder decidir se quer ou não naquele momento da vida dela, se ela vai gerar um filho ou não. Então, para mim, é isso. Acho que é uma discussão difícil para muitos que têm como base moralista a religião. Minha posição é claramente essa. Vai da decisão da mulher sobre seu corpo, de querer engravidar naquele momento da vida dela ou não.
“Às vezes a gente perde o nosso mérito por ser filho de alguém já famoso.”
Seu pai sempre foi engajado politicamente e já chegou a ser ministro de Estado. De que forma você se posiciona em relação às questões políticas no Brasil?
Acho que está ficando mais transparente. Mas é complicado. As pessoas estão sem direção. E o brasileiro tem essa questão de se polarizar. Ou você é PT, PMDB, petralha ou coxinha. Que não gosto, é chato, muito raso. Acho é que a gente tem é que tirar o chapéu para quem fez um bom trabalho, penalizar quem não fez, mas sem essa questão partidária. Vejo que temos tido um retrocesso, tanto na política nacional e até nas políticas municipais, no avanço mais moderno, mais humanizado. As coisas estão retrocedendo. Em relação à homofobia, ao racismo, à economia mais colaborativa e ecológica. Está tudo indo para trás.
Ser filha de uma pessoa famosa te incomodou em algum momento?
Nunca. Minha família é muito grande, talvez se eu fosse filha única, com tudo muito concentrado em mim… E meu pai é muito relax. Ser filha dele só traz alegria. Obviamente tem gente que fala, vem com aquelas chatices: “É filha do Gilberto Gil” ou “Quem é ela? Só está fazendo isso por ser filha do Gil”. Então, às vezes a gente perde o nosso mérito por ser filho de alguém já famoso. Ou pessoas que não gostam do meu pai e tentam cutucar ele através de mim. Obviamente tem essas chatices que são irrelevantes diante da grandeza, da felicidade, da maravilha que é ser filha dele.
Você tem alguma crença?
Acredito na força do universo. Adoro física quântica, exoterismo, misticismo, sabedorias orientais. Faço meditação transcendental, tento meditar todos os dias, é difícil, não consigo. Mas procuro me autoanalisar, digamos, sempre escrevendo em cadernos o que estou sentindo. Acredito em Deus, acho que Deus é essa força. Mas não tenho uma religião que sigo fielmente. Adoro o candomblé, o budismo, o hinduísmo, o espiritismo. Acho interessante essa forma do ser humano de tentar encontrar uma maneira de entender que há uma força maior que rege tudo isso.
Seus filhos ainda são pequenos — Flor está com 8 anos e Nino com menos de um ano. Que adulto você espera que eles sejam?
Que valorizem as relações interpessoais, as amizades, a comida, a Terra. Que eles dêem valor às coisas certas na vida. Vemos os valores sendo invertidos na sociedade de hoje. Se crescerem com os valores que, acredito, são preciosos e certos, para mim já é tudo.