AFONSO POYART: DIRETOR DÁ UMA BANANA PARA ANTHONY HOPKINS E FALA DE VIOLÊNCIA, CORRUPÇÃO E MORTE
Afonso Poyart, você fez “2 Coelhos” e recentemente “Mais forte que o mundo – A história de José Aldo”. Mas ainda devem te perguntar muito sobre Anthony Hopkins, que você dirigiu em “Presságios de um Crime”. Como foi essa relação?
Perguntam bastante. O ator tinha um ponto de vista muito forte sobre o que ele queria fazer do personagem. E, às vezes, nem abria a possiblidade para discutir ‘approaches’ para algumas cenas. Então, ele era meio durão comigo (risos). Para algumas cenas específicas, tinha uma obsessão que encarava como importante para o papel. Realmente foi difícil de lidar, ele foi grosso comigo.
Mas por que ele agia assim?
Ele gosta de um embate criativo. Assusta um pouco a presença dele, um ganhador do Oscar, né? Todo mundo fica com medo. Acaba que o embate não acontece porque todo mundo dá um passo pra trás. Não aconteceu o filme inteiro. Houve uma ou duas cenas em que ele foi realmente difícil… Meu, de me mandar calar a boca, coisa desse tipo. Não foi pouco difícil, foi totalmente difícil, sabe?
Deve ter sido duro, mesmo…
Nunca falei isso pra ninguém. Estou falando agora porque já faz tempo, então dane-se (risos). Durante a campanha de divulgação do filme você não pode falar, né?
Você diria que dirigir uma estrela de Hollywood dá frios na barriga?
Claro, com certeza. Tive vários contatos com o Hopkins antes da gente ir para um set. Desde o primeiro encontro com ele deu frio na barriga. Tinha saído de um filme pequenininho, que foi o “2 Coelhos”, que eu mesmo produzi, feito com meus amigos, e, de repente, meu segundo filme era em Hollywood com o Anthony Hopkins estrelando… Então, realmente a gente não sabe onde está pisando. Não só pelo peso do ator, mas pelo trabalho em si.
Mas a relação foi melhorando?
Conforme a gente foi se conhecendo… Ele é uma pessoa muito legal, mas, para trabalhar, é trabalho mesmo…Isso é normal, é bacana. Acho que, às vezes, a gente fica com medo de ter esses embates. Na verdade, é importante ter certos embates criativos para que o material seja elevado.
“O diretor tem que ter os atores como seus aliados.”
Se tivesse outra experiência com atores de Hollywood, o que você não faria?
Muitas coisas (risos). Nem qualifico como uma experiência com ator. Mas uma experiência num filme, nos Estados Unidos e daquela forma. Eu não entendia até onde poderia ir como diretor, falando ‘não’ para os produtores, traçando limites do que eu iria aceitar. Estava sempre com medo de estar pedindo demais. O trabalho de direção é um trabalho flexível. Você tem que saber até onde aceita uma sugestão da produção, porque também há uma questão financeira o tempo todo, você está lidando com muito dinheiro… Tem que saber onde não abre mão. Hoje entendo mais como fazer esse equilíbrio, sei que não preciso me submeter a certas coisas. Saber lidar com a produção foi difícil, mais do que com os atores. O diretor tem que ter os atores como seus aliados para poder conseguir coisas em prol do filme junto aos produtores. O David Fincher, o Brad Pitt e o Edward Norton se uniram no “Clube da luta”, bateram pé para que o estúdio entregasse o que eles precisavam. Não é que vai colocar o estúdio como refém, mas para conseguir um pouco de equilíbrio na relação.
Hopkins disse que você tem uma maneira peculiar de ver o mundo. Sabe o que ele quis dizer com isso?
Sei lá (risos). Acho que ele me vê como um diretor que cuida da parte visual dos filmes.
As pessoas em geral tendem a desconfiar de pessoas mais jovens quando estas estão numa posição de comando. Sua juventude, entretanto, não foi obstáculo ao ser escolhido para dirigir um filme de Hollywood…
Tinha 34 anos quando fui contratado para fazer o filme, estava rodando com 35. Tive dificuldade, sim, com isso. De certa forma, na hora de fazer, todo mundo acha que você é inexperiente, e eu realmente era. Tinha feito um filme, estava indo para o segundo. Hollywood trabalha com gente nova, tem uma onda de diretores com 31, 32. Então, isso nunca é o problema, a idade. Se você já fez um trabalho, né? Eu tinha o “2 Coelhos”, que o pessoal da indústria gosta muito. Eles me achavam capaz. Óbvio, a gente faz mil reuniões, eles acessam a sua maturidade em relação ao cinema e a fazer filmes ali, nessas reuniões, nessas conversas, antes de te contratar. Mas experiência demais às vezes atrapalha. Você tem que estar aberto para escutar as pessoas e usar os talentos que estão em volta para te ajudar.
” Sou muito fascinado com o tema morte.”
No filme com Hopkins, a eutanásia é tratada de maneira paralela. Você é a favor?
Quem pode decidir entre vida e morte? O personagem do Colin Farrel se acha no direito de decidir. Acho que é uma questão muito delicada e difícil. Meu pai faleceu ano passado, você fica pensando nessas coisas. Chegou um momento que não tinha mais volta. Até quando você mantém alguém vivo numa situação que não vai ter volta? Se a pessoa tiver uma sobrevida, vai ter uma sobrevida terrível… Mas acho que a gente não pode influenciar nisso. Teoricamente sou contra a eutanásia, mas também não tem que forçar uma situação. Tem que deixar o curso natural das coisas.
Você já disse que “Presságios de um Crime” foi muito bem com um público com mais de 30 anos, e que pessoas mais jovens não se conectam muito bem com o tema morte. E você?
Quanto mais velho a gente vai ficando, chegando nos trinta e poucos (o diretor está com 39 anos)… Então, claro, penso na minha finitude. Sou muito fascinado com o tema morte, com a probabilidade de vida após a morte. Tem a ver com física quântica, tem todo um estudo aí… Leio muito sobre isso. Quando meu pai morreu, tive um outro estalo sobre o que é a finitude. Você ver um pai falecer, te coloca num estado de urgência. Tudo isso aqui tem um fim e não está muito, muito longe. O tempo passa, e passa rápido.
Mas pensar que há vida após a morte não é uma espécie de alento, para não concluirmos que de fato tudo acaba aqui?
As religiões se basearam nisso, o cristianismo, etc… Seguir alguma disciplina na vida que vá garantir à pessoa o direito após a morte. Ir para o céu, não ir. Mas eu me interesso pela parte científica. Para onde a consciência vai, né? A conversa é essa… Nada no Universo some. Sai de um lugar e vai para outro. Em algum momento essa conversa científica vai ter um overlap com a parte filosófica, com as religiões.
“Eu acredito nisso, sabe?”
(Sobre fazer filmes falados na língua inglesa)
Quer fazer filme que fale sobre esse tema?
Estou escrevendo um roteiro com o LG Bayão (roteirista de “Irmã Dulce” e “Motorrad”, ambos do diretor Vicente Amorim) que trata do assunto. Filme sobre vida após a morte, mas nesse sentido. Gostaríamos de rodar no Brasil, em inglês. É um projeto para o qual quero trazer uns atores americanos, vai ter atores brasileiros… uma atriz americana. Rodaríamos como se fosse em uma cidade americana. O filme, que se chama “Colisão”, se passa nessa outra dimensão.
Fazer filme falado em inglês é uma aposta para atingir um mercado mais global?
Eu acredito nisso, sabe? Além do “Colisão”, tenho outro roteiro, escrito pelo Chris Boal, irmão do Mark Boal, roteirista de “Guerra ao Terror” (Oscar de melhor filme e de roteiro original). O Chris Boal escreveu a versão americana do “2 Coelhos”, que foi comprado e vai virar um remake. Fechamos parceria para fazer um filme de terror de baixo orçamento, até US$ 2 milhões, também com elenco americano, talvez mais desconhecido. Mas um terror bem conceitual.
O que significa fazer um tipo de cinema que tem uma relação pessoal com você?
Gosto do cinema autoral, senão não funciona. Ser simplesmente contratado para executar um trabalho que não significa nada para mim, que não me toca pessoalmente em algum ponto, fica difícil. O envolvimento do diretor num projeto é grande, você coloca sua vida ali por um, dois anos. Então, o filme precisa falar com você de uma forma mais elevada, né? Precisa te motivar além do trabalho, porque pra mim não faz sentido ser simplesmente contratado e entregar… Não dá. Quero estar no desenvolvimento. Ou que seja uma ideia original que partiu de mim; ou algo em que acredito no conceito. Preciso ter envolvimento pessoal. Tipo: “Cara, eu quero muito contar essa história”.
Poucos diretores, mesmo na indústria internacional, têm poder sobre o final cut…
Putz, isso é um direito conquistado, né? Você tem que conquistar isso com muito trabalho, pra você ter o final cut. Depende do filme. Se ele é extremamente autoral, se teve um custo equilibradamente reduzido, você pode brigar pelo final cut. Mas conforme ele vai se tornando um filme cada vez mais comercial, que custa US$ 100 milhões, esse poder de exercer o final cut fica cada vez mais difícil. Porque ele é um produto, um produto tem que fazer dinheiro. Quem consegue isso hoje são alguns diretores muito grandes. Mas mesmo assim esses caras não forçam para ter o final cut. Eles escutam as pessoas. Tem que escutar, por exemplo, a opinião de uma pesquisa… O diretor tem até o direito de bater o pé por contrato, mas não é apropriado.
“Às vezes você não precisa mostrar, às vezes não mostrar é mais forte.”
(Sobre violência nos filmes)
O longa “2 coelhos” é um filme justiceiro que aponta o dedo para a corrupção e a criminalidade, dois temas muito em voga no Brasil. Você acha que um dia vamos nos livrar de um dos dois?
Acho que o Brasil ruma para esse caminho. Se livrar completamente, difícil… Mas diminuir bastante, acho que sim. Corrupção é o pior negócio que tem, porque criminalidade é às vezes um fator socioeconômico que a corrupção complica, e só agrava mais. Acho que a gente tem um desafio enorme no Brasil, de caminhar pra isso. Essa coisa da Lava Jato é importante. Eu não sou de extrema direita, não. Pra mim não existe esse negócio de direita, esquerda. Estou ali no meio. Acho que as ideias que funcionarem… O Brasil tem que, devagar, privatizar alguns setores. Porque daí vai diminuir essa coisa da corrupção. Poder e dinheiro junto dá nisso: corrupção.
Assim como nos filmes de Tarantino, “2 coelhos” é bem violento. Mostrar cenas violentas é uma forma do diretor exorcizar os próprios demônios?
Cara, sei lá. Não vejo muito assim. Acho que a violência gráfica tem um impacto. Você tem que saber colocar isso. Às vezes você não precisa mostrar, não mostrar é mais forte. Os filmes do Tarantino têm violência, mas ele estiliza tanto que ela passa a ficar mais aceitável. Tem essa dose, de saber apresentar uma coisa violenta. Às vezes, cortar antes de acontecer, sabe? O cara enfia a faca em alguém e você corta um pouco antes… Ou você não mostra, mostra só a reação no rosto. Quer dizer, o que é que a gente quer com isso? Constranger a pessoa que está vendo? Depende do que a gente está querendo aplicar ali, na galera. Tem que entender como fazer isso, porque muita gente não aceita tanta violência explícita no cinema. Não gosta de ver.
Você já disse que é preciso criar uma conexão emocional com o espectador. Que técnicas usa para conseguir isso?
Não tenho a cartilha. Isso é o que busco sempre. Acredito que, por mais que o roteiro tenha uma trama mirabolante, revelações, um plot bem desenvolvido, o filme vai ser bem-sucedido se o espectador embarcar junto com o personagem. Tem que existir uma conexão emocional para as pessoas se relacionarem com aquela história, e falarem: “Vou torcer por esse personagem; se ele estiver ameaçado, sofro com ele; e quando ele conseguir o que quer, vou vibrar com ele”. Isso é importante, é emocional, não é racional. É uma coisa por osmose, é instinto, é subconsciente. As pessoas se conectam com jornadas humanas.
O que te emociona?
Difícil dizer (risos). Tenho um ponto fraco para a música. Às vezes acho que faço cinema só para chegar no momento em que eu possa juntar a imagem com a música.
Você é feliz fazendo o que faz, ou tem momentos de infelicidade?
Claro. Sofro a toda hora. Acho que sou uma fraude dia sim, dia não.